1 As teorias vão variando. Os temerários querem que o juiz Ivo Rosa seja imediatamente afastado de toda a magistratura. Já os confiantes dão tempo ao tribunal para fazer justiça, aguardando calmamente pela decisão da Relação. Os mais optimistas lembram que percorremos um longo caminho nos últimos anos e que são muitos os corruptos que foram julgados e até condenados pelos crimes que praticaram. Para mim, ali a meio caminho entre os cépticos e os cínicos, digo que o problema na justiça é apenas mais um a juntar à falência institucional que temos vindo a testemunhar nas últimas décadas.

Não há volta a dar. O povo tem vindo a acumular um sentimento de desilusão face à evaporação dos valores e corrupção das instituições. São poucos os portugueses que não perderam a confiança nas elites que conduzem os destinos das nossas principais instituições políticas e económicas. Não passam dois meses seguidos em que não venha a lume mais uma notícia sobre um qualquer poderoso que tirou indevidamente proveitos pessoais – para si, para a sua família, para amigos – em nome da função dirigente que exerce ou das pessoas que deveria representar.

O fenómeno contemporâneo da falência das instituições é vasto e complexo, mas as suas consequências são muito concretas. Quando ouvimos o número “1,7 milhões” pensamos no dinheiro que, segundo a aritmética jurídica do juiz Ivo Rosa, José Sócrates andou a “mercadejar” com o amigo Santos Silva. Mas “1,7 milhões” é também o número de pobres em Portugal, calculado pelo estudo que a FFMS acabou de publicar. Se acrescentarmos que o estudo vai até ao ano 2018, anterior ao desastre económico provocado pela pandemia, facilmente percebemos que hoje em dia os pobres são muitos mais – tal como muito mais é o dinheiro envolvido na Operação Marquês.

O problema de Portugal já não se circunscreve apenas ao facto, há muito reconhecido pelas ciências económicas e sociais, de ser estatisticamente muito provável que uma criança pobre venha a continuar pobre na idade adulta. O problema agravou-se substancialmente e agora é a classe média que já experimenta – e os portugueses que ainda não experimentaram, antecipam com muita preocupação o risco de experimentar no futuro – a perda de poder de compra face ao que acontecia há uma década ou duas. Os portugueses que têm hoje 15, 25 ou 35 anos nunca viveram e sentiram um vislumbre de pujança económica e optimismo colectivo no país em que nasceram.

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2 André Ventura tem sido hábil a explorar a indiferença das nossas elites e instituições políticas e económicas pelos males que afligem a sociedade portuguesa. Ele é sempre o primeiro político – e, por vezes, o único – a aproveitar as oportunidades para expressar o nosso sentimento de desesperança. As últimas décadas têm revelado como o populismo medra onde as instituições falecem e não é por acaso que muitos se apressaram a antecipar a multiplicação de votos no Chega a cada 10 minutos do teatro de que o juiz Ivo Rosa quis ser actor principal. Contudo, a multiplicação de votos no Chega, sendo bem possível, não é inevitável. A indignação do povo é legítima, mas não se esgota nas políticas que Ventura oferece. E é neste espaço aberto que a direita do sistema tem de saber entrar.

Francisco Rodrigues dos Santos e Rui Rio, à semelhança do que faz Ventura, têm de acolher o sentimento do povo. Todavia, onde Ventura responde com soluções eleitoralistas, essencialmente sustentadas numa retórica do ressentimento, a direita do sistema, com décadas de experiência parlamentar e de governo, deve responder com políticas públicas que acelerem o crescimento económico, aumentem a mobilidade social, contrariem a corrupção e o amiguismo, combatam a precariedade laboral, melhorem os salários, puxem efectivamente para cima os alunos com mais dificuldades, respeitem as convicções morais e religiosas das famílias, ajudem a conciliar a vida familiar e o trabalho, incentivem a estabilidade do casamento (em benefício da boa educação das crianças), e criem condições para que as famílias com mais de um ou dois filhos não tenham de viver na pobreza.

Rodrigues dos Santos e Rio nada podem fazer – nem devem – a respeito da justiça a aplicar a José Sócrates, antigo Primeiro Ministro de dois governos socialistas. Mas CDS e PSD podem – e devem – propor políticas orientadas para contrariar quase duas décadas de opções ideológicas de sucessivos governos do PS, assentes na intervenção do Estado sobre a economia e a moral, com graves efeitos na corrosão e disfuncionalidade das instituições, nomeadamente aquelas onde assenta a formação ética e social dos cidadãos, e degradação das condições de vida dos portugueses, especialmente os mais pobres e os que pertencem à classe média.

A direita está perante a rara oportunidade de ter aquilo que tem sido tão difícil alcançar nos últimos anos: estar ao lado do povo e ter o povo do seu lado num momento histórico marcante. É isto que Francisco Rodrigues dos Santos e Rui Rio têm de fazer sem tibiezas. Deixar-se enredar na teia que muitos se empenham em tecer – a ideia de que todos aqueles que questionam com veemência e oportunidade política a decisão do juiz Ivo Rosa são populistas que simpatizam com André Ventura – seria um erro de liderança e de cobardia política que o povo de direita não perdoaria lá mais adiante.