Os números de infecções Covid-19 em Portugal estão a aumentar e não há razão para crermos que abrandarão. Não exagero, por isso, se disser que a boa condução do país durante os próximos meses de pandemia depende da eficácia das autoridades públicas na gestão das escolas. Facto: não é possível recuperar a economia com escolas fechadas e enquanto os pais tiverem de manter os filhos em casa. Facto: não é possível formar e preparar milhares de crianças com ensino à distância de forma eficaz, nomeadamente as mais novas (1º e 2º ciclos), prejudicando assim sua aprendizagem e o seu futuro. Facto: os cenários de evolução da pandemia por parte dos especialistas fazem justamente das escolas um factor decisivo, alertando para a necessidade de medidas eficazes para conter eventuais contágios. É na soma destes três factos que tudo se joga. E se o objectivo é claro (escolas abertas e seguras), já é menos evidente que o governo esteja preparado e à altura dessa responsabilidade — há todo um histórico que fala por si.
Fechar as escolas foi fácil. Em Março, com a escalada da pandemia no continente europeu e o surgimento dos primeiros focos de contágio em Portugal, o governo não teve sequer de decidir. Foram as famílias que lideraram o processo de encerramento das escolas, mantendo os seus filhos em casa e, assim, forçando uma decisão que era inevitável (mas que o governo protelou). Depois, reabrir as escolas foi demorado e penoso — num processo incoerente em que o governo falhou ao adoptar o caminho mais fácil: manter os alunos do ensino básico em casa até Setembro e permitir em Junho um modesto regresso ao ensino presencial dos alunos do secundário, única e exclusivamente para legitimar a realização dos exames nacionais. As opções do governo português chocaram com as evidências empíricas e com a actuação na maior parte dos países europeus, que deram prioridade ao regresso dos mais novos à escola, ainda durante os meses de Maio, Junho e Julho, porque são eles os que menor proveito retiram do ensino à distância. O resultado é este: Portugal arrancará o ano lectivo entre os países onde o dano na aprendizagem dos alunos, nomeadamente do básico, foi dos mais elevados durante estes seis meses de pandemia.
Agora que o dia da reabertura do ensino presencial para todos se aproxima, as opções passadas colocam uma pressão suplementar sobre a liderança do governo e do ministério da educação. Primeiro, em relação à “recuperação da aprendizagem”, que terá cinco semanas de prioridade absoluta e iniciativas ao longo do ano lectivo. É fundamental que essas acções sejam proveitosas e ajudem efectivamente os alunos em risco de insucesso — haverá alguma medição de impacto para o aferir? Segundo, o passado recente de longo encerramento das escolas condiciona o futuro: um novo encerramento das escolas seria extremamente penalizador para os alunos portugueses, que já partem com desvantagem para este ano lectivo (e, também, para as suas famílias). Simplesmente, é algo que não pode acontecer — por mais que, consegue-se adivinhar, a pressão sindical comece a fazer-se sentir.
A tranquilidade deve prevalecer e existem boas razões para isso: as escolas estão preparadas e as evidências de contágio conhecidas noutras aberturas escolares apontam para que as escolas sejam espaços seguros. Por isso, o primeiro-ministro assinalou, e bem, que as escolas não deverão fechar ao primeiro caso de Covid-19 — há que aprender a conviver com a pandemia e lidar com ela. Mas não basta dizê-lo e esperar que os directores escolares se desenrasquem para cumprir a orientação, até porque não depende só das escolas (que, em regra, se têm organizado muito bem). Há, sobretudo, que assegurar a capacidade de resposta atempada das autoridades de saúde e garantir meios para o mapeamento de dezenas de casos diários que convivam em contexto escolar. Ou seja, neste momento, o maior risco para a reabertura das escolas é o governo ver-se apanhado desprevenido perante desafios sanitários mais do que previsíveis.
A partir da próxima semana, será necessária capacidade para aguentar a pressão social, liderança política, bom planeamento e disponibilização de recursos adequados. E haverá tudo isso? Pelo menos, até ao momento não houve — basta observar a realidade dos lares e a ausência de resposta adequada das autoridades que, como assinalou Ferro Rodrigues, não aprenderam nada nestes últimos meses. Portanto, o ónus está do lado do governo, que tem transmitido a mensagem certa para a reabertura, mas que será testado realmente daqui a umas semanas, quando a manutenção das escolas abertas for posta em causa. Para o bem de todos, deve-se exigir que, daqui a umas semanas, não estejamos todos a fazer sobre as escolas fechadas a mesma pergunta do presidente da Assembleia da República sobre os lares: então o governo não aprendeu nada nos últimos meses?