Quando trabalhei em Bruxelas, na Comissão Europeia, recebemos uma delegação de diplomatas e funcionários russos para uma reunião na véspera de uma Cimeira entre a União Europeia e a Rússia. Depois da reunião, oferecemos um jantar à delegação russa num restaurante no centro de Bruxelas. Fiquei sentado ao lado de um diplomata russo que trabalhava sobre a União Europeia.
No fim do jantar, depois de uma conversa muito interessante com um diplomata inteligente e culto, disse-me. “Sabe, tal como as pessoas, os países têm dois tipos de problemas: os problemas sobre os quais falam durante o dia, e os problemas que não os deixam dormir à noite. O nosso problema do dia é o poder dos Estados Unidos. O problema da noite é o crescimento da China.”
Lembrei-me desta conversa quando vi as imagens da visita de Xi a Moscovo. A visita de Xi nada tem a ver com o plano de paz proposto pela China, aliás uma farsa diplomática. Como se pode chamar uma proposta de paz a uma declaração que não exige a retirada das tropas ocupantes do território ocupado? Uma potência ataca e ocupa cerca de 20% do território de um país mais pequeno e mais fraco, e depois aparece uma segunda potência que faz uma proposta de paz que consagra a ocupação territorial. E há quem chame a isto paz.
Imaginem dois vizinhos. Um deles tem uma enorme quinta, o outro tem uma casa mais pequena com um jardim razoável. O dono da quinta grande resolve ocupar parte do terreno do vizinho que se defende como pode, e com a ajuda de outros vizinhos que não querem ver as suas casas ocupadas no futuro. Entretanto chega o proprietário de outra quinta e diz “o dono da quinta fica com o terrenho que ocupa, mas deixem de lutar.” Qual dos leitores, se fosse o vizinho do grande proprietário, aceitaria a proposta do outro grande proprietário? Por que razão a Ucrânia deveria aceitar as propostas da China?
Obviamente, a China não pediu a retirada das tropas russas da Ucrânia porque sabe que não tem o poder suficiente para forçar Putin a retirar. O Presidente russo também não quer um acordo de paz. Putin precisa do apoio militar da China. Veremos se Xi aceita enviar material militar para a Rússia. Mas enquanto decide, vai aprofundando a dependência da Rússia em relação à China.
A Rússia está a transformar-se num dos principais fornecedores de matérias primas para a China, indispensáveis para a industrialização chinesa. E Pequim está a tornar-se o principal investidor estrangeiro na Rússia e o maior vendedor de tecnologia, como semi-condutores, indispensável para manter o esforço de guerra.
Ninguém sabe como Putin vai abandonar o poder, mas sabemos que a dependência em relação à China (os nossos Marxistas domésticos ainda se lembram das teorias da dependência?) será uma das heranças mais pesadas que deixará ao seu sucessor.
A aliança é entre Xi e Putin. De resto, há uma enorme desconfiança mútua entre as elites económicas, militares e políticas dos dois países. A China e a Rússia partilham uma das maiores fronteiras do mundo. Num mundo multipolar, as hipóteses de conflitos entre potências vizinhas aumentam consideravelmente. A China e a antiga União Soviética entraram na década de 1960 numa camaradagem sem limites. Saíram da década com confrontos armados na fronteira entre os dois países.