Como já é costume, a esquerda woke reagiu com irritação ao meu último artigo. O activista Mamadou Ba, disse, com a subtileza e a linguagem que o tornaram famoso, que aquele meu texto era “o reflexo de um velho Império em convulsão que se recusa de (sic) morrer e vai dando os seus últimos coices”; e falou, claro, de mim como um “reaccionário que distila (sic) ódio” e cuja “indigência intelectual e moral” seria típica “de uma certa elite portuguesa, racista e misógina”. O antropólogo Miguel Vale de Almeida decretou que eu tinha muita “manha retórica” e deu, pressuroso, a sua solidariedade a Joacine Katar Moreira; sobre o facto de Joacine me insultar nas redes sociais Vale de Almeida nada disse porque, que diabo, o seu sentido de equidade e a sua capacidade de avaliação não podem chegar para tudo. Dezenas de outros opinadores woke deixaram, também, a sua marca, entretendo-se a torcer e manipular o que eu escrevi, como fazem há anos, para me acusarem de mil e uma coisas.

Mas surgiu agora uma nuance nova, pois houve quem, indo mais além, apelasse à luta contra mim. Kitty Furtado, por exemplo, considerou que “a persistência metódica com que (João Pedro Marques) persegue intelectuais e activistas negras e negros e o movimento antirracista como um todo, constitui prova de que não se trata de um adversário político, mas sim de um inimigo.” Sim, leram bem: um inimigo que persegue pessoas negras. A jurista de origem angolana Anizabela Amaral, afirmou que eu sou “uma pessoa de ideias perigosas, que contribui para a formação da opinião pública” e defendeu ser imprescindível silenciar-me. “É urgente” — escreveu ela — “parar esta máquina de ódio ao serviço da extrema-direita portuguesa, com lugar na imprensa, que há muito lhe devia ter fechado portas”. A dita jurista considerou que os meus artigos de opinião eram “crónicas de agressão”, através dos quais eu cometeria “crimes”, nomeadamente o de “incitamento ao ódio contra pessoa ou grupos de pessoas por causa da sua cor e origem étnico-racial.” Disse que os destinatários do meu “fel” eram sempre os mesmos, “sejam em colectivo, sejam pessoas singulares perfeitamente identificadas” e não contente com isso, tratou de disseminar as suas mensagens inflamatórias e persecutórias por várias redes no Facebook, incluindo uma designada “feministas Histéricas”, na qual sugeriu que eu seria misógino e perseguidor de mulheres porque “analiso os seus textos” e estou (supostamente) sempre “ansioso por lhes chamar ignorantes, mal informadas e emotivas”. Deixou, até, uma ameaça nas entrelinhas: “gente assim, que não respeita as pessoas com as quais discorda, normalmente acaba mal.”

Deixem-me abrir um parêntese para dizer a quem habitualmente me lê e, claro, à jurista Anizabela Amaral e a todos os que, como ela, estão a tentar incutir na opinião pública a ideia de que os meus artigos de opinião seriam discurso de ódio e de perseguição a uma determinada etnia ou ao sexo feminino, que essas acusações são difamatórias e falsas, sendo muito fácil prová-lo. É que eu debato a história da escravatura e temas conexos desde Abril de 2017 e, no contexto desse debate, escrevi muitos artigos na imprensa, artigos esses que qualquer pessoa pode consultar porque estão online nos jornais Público, DN e Observador, e foram, excepto os mais recentes, compilados em três livros. Quem os ler constatará que eu escrevi mais artigos a rebater o pensamento e as teses de pessoas brancas do que de pessoas negras. Constatará, também, que o tom e assertividade desses meus escritos são exactamente os mesmos, quer o meu interlocutor seja branco ou negro, homem ou mulher. Não faço distinções de tons de pele nem de género. O que faço, sim, e com orgulho, é oposição à esquerda woke em bloco, qualquer que seja a sua epiderme ou o seu sexo, e às ideias erradas ou enviezadas sobre a história da escravatura e de Portugal. E, por isso, escrevi a contestar as opiniões de dezenas de pessoas brancas: Francisco Bethencourt, António Guterres, Fernanda Câncio, José Neves, Paulo Pinto, António Guerreiro, Carmo Afonso, Miguel Vale de Almeida, Nuno Teles, Daniel Oliveira, Luís Trindade, Rui Cardina, Ângela Barreto Xavier, Pedro Lains, Fernando Rosas, Teresa Beleza, etc. É falso que eu me foque especificamente nas pessoas negras, e é igualmente falso que eu persiga Joacine Katar Moreira e mais activistas, como afirmam Kitty Furtado, Anizabela Amaral e outros/as. Escrevi, contando já com este, 135 artigos sobre escravatura e temas conexos e Joacine foi referida em somente sete deles, o que equivale a cerca de 5% do total. Perseguirei, então, Luísa Semedo? Seguramente não, pois contestei as suas ideias em quatro artigos, apenas. E as de Kitty Furtado? Só duas vezes, contando com esta. E as de Anizabela Amaral? Nunca, a não ser agora. Contestei mais frequentemente — nove vezes — as opiniões de Cristina Roldão, sobretudo por causa dos manuais escolares. Curiosamente, essa activista, que é minha adversária política e ideológica, não se queixa nem dramatiza, não ameaça nem insulta, o que é de assinalar. Quanto a Mamadou Ba as minhas alusões a esse vulto da nossa política são uma pequena parte das referências injuriosas com que ele me tem presenteado nas redes sociais ou em artigos de jornal.

Estas e outras pessoas não são perseguidas por mim, são contestadas nas suas afirmações, o que é uma coisa muito diferente. E são contestadas porquê? Pela simples razão de estarmos há sete anos num confronto de ideias políticas e de visões da História, e de eu discordar do que elas defendem publicamente. Convém lembrar que foram justamente algumas destas pessoas que, em Abril de 2017, vieram exigir um grande debate público sobre escravatura, colonialismo e questões correlativas. O debate tem-se feito, eu nunca me furtei a ele, mas, pelo que se vê, os activistas não gostam disso. Preferiam não ter contraditório. Como o têm e é, além do mais, um contraditório vigilante e incisivo, dizem que se trata de perseguição.

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Mas deixem-me fechar este longo parêntese para retomar o fio à meada. Na onda da jurista Anizabela Amaral, que quer à viva força silenciar-me e exige que eu “seja afastado dos media imediatamente”, uma senhora chamada Maria Gil, vendo em mim “um pedagogo do ódio, do racismo e xenofobia”, apelou a uma mobilização geral de tropas woke “para o envio de emails” para o Observador, exigindo à direcção do jornal que não mais me publique. E, houve, claro, insultos e ameaças veladas ou explícitas de gente que diz que eu posso vir a ter um acidente.

A própria Joacine Katar Moreira aconselhou-me a ter “cautela”. Sim porque, invocando o direito de resposta, Joacine também se pronunciou sobre o meu artigo. E o que disse de útil ou relativo à matéria em causa, isto é, ao assunto da coleira? Praticamente nada. Limitou-se a expressar as suas emoções perante aquele desumano objecto e um outro ainda pior, o que é manifestamente pouco. É que Joacine podia ter-nos dito que em 2018-19 a referida coleira já esteve exposta no Padrão dos Descobrimentos, com a seguinte legenda: “Esta peça, enquanto instrumento de desumanização e animalização da mulher e do homem negros, é pensada e criada pelos brancos colonialistas, refletindo os seus próprios sistemas de brutalidade”. Ou seja, uma legenda claramente ideológica, culpabilizante e historicamente enganadora, como penso ter mostrado no meu anterior artigo. E sabem quem redigiu e assinou essa legenda? Pois, adivinharam, foi Joacine Katar Moreira que, curiosamente, preferiu agora não a referir no seu “direito de resposta”. Refiro-a eu, então, não só por ser relevante no contexto desta troca de argumentos, mas sobretudo para uma vez mais alertar as instâncias governamentais e a sociedade em geral para o tipo de mensagem não-calibrada, não-relativizada, que as pessoas da esquerda woke querem fazer passar nos manuais escolares, nas legendas das peças museológicas, nos monumentos, etc., acerca da história colonial de Portugal. É aquilo a que chamam “descolonizar a História e o espaço público”. Há na visão dos que querem fazê-lo uma permanente culpa do homem branco e uma doçura e inocência total do homem negro e essa visão é profundamente desequilibrada e, por isso mesmo, historicamente errada.

Continuarei na medida do possível e quando se justificar, a chamar a atenção dos responsáveis políticos e da opinião pública para o que se joga nesta chamada “guerra cultural”. Esse é um caminho que tenho seguido desde 2001 por estar profundamente convencido de que é muito importante tentar opor uma barreira de conhecimento histórico e de racionalidade a um movimento — o wokismo — que é ignorante, emocional e fundamentalista, como, aliás, a própria Joacine de certa forma assumiu, na sua “resposta”, quando afirmou que “a ideia de objectividade, imparcialidade e neutralidade do conhecimento científico são falácias totais — e precisam ser combatidas”. Joacine Katar Moreira não podia dar-nos um melhor cartão de visita do que é o wokismo nem melhor justificativo da razão pela qual eu o enfrento e continuarei a enfrentar, não obstante os que contra mim conspiram e o que contra mim se trama nas redes sociais e não só.