O embuste da regionalização. Em 2025, todos os países que chegaram à UE depois da queda do muro de Berlim já terão ultrapassado Portugal, à excepção da Bulgária (Portugal devia patrocinar a Bulgária por nos fazer o extraordinário favor de ainda ser pior que nós. Os protagonistas de amores impossíveis tinham sempre Paris para recordar os dias em que tinham sido felizes. Portugal tem sempre a Bulgária para se convencer que é possível ter números piores). Dito doutro modo, em 2025 estaremos na cauda da UE. Mas felizmente, além da referida Bulgária, teremos a regionalização para nos poupar ao confronto com tão constrangedora realidade e, não menos importante, reforçar António Costa como um político hábil. Numa sala cheia de autarcas, durante o XXV Congresso da Associação Nacional de Municípios Portugueses, António Costa declarou que vamos ter a regionalização. É claro que esta depende da avaliação que se fizer sobre as alterações nas Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) mas o primeiro-ministro já deixou claro que essa avaliação vai ser positiva. Obviamente também há que ouvir o povo mas depois de dois anos de pandemia e meia dúzia de unanimismo os eleitores perceberam que na política tal como na pandemia se têm de portar bem.
Em resumo, depois de ter desperdiçado uma conjuntura económica excelente sem ter feito uma única reforma, tendo aliás promovido tudo aquilo que impede qualquer reforma, António Costa prepara-se para fazer mais uma geringonça, ou seja criar uma engrenagem que permita manter o PS no poder A regionalização vai ser o cimento dessa geringonça. Costa terá um aliado venerando e obrigado na figura de Rui Rio. Obviamente a regionalização não resolverá problema algum do país e acrescentará camadas na máquina do Estado. Mas o embuste da regionalização vai distrair o país de si mesmo.
O embuste do racismo sistémico. É dos livros: os peritos da ONU que visitam Portugal partem sempre chocados. Os últimos chocaram-se com a presença do “passado colonial” e afiançam que “Portugal ainda tem uma narrativa colonial tóxica”. Já tivemos peritos da ONU chocados com a austeridade ou com os despejos (infelizmente nunca se chocaram com as medidas que levaram o país à falência ou com as consequências do congelamento das rendas). Agora, e como não podia deixar de ser, temos os peritos da ONU chocados com o racismo em Portugal. Afinal para cada fase da agenda da esquerda temos os peritos da ONU adequados!
Os peritos que agora nos visitaram integram o Grupo de Trabalho da ONU sobre Afrodescendentes, identificação que em si mesma gera alguma confusão pois, segundo a ONU News, as especialistas deste grupo “não são contratadas pelas Nações Unidas e nem recebem salários”. Apesar da sua indefinida situação laboral, as especialistas nesta sua viagem a Portugal trabalharam muito e muito rapidamente: chegaram a 29 de Novembro e a 8 de Dezembro já davam uma conferência em que se declaravam “surpreendidos e chocados com os relatos sobre brutalidade policial, mas também com a presença do passado colonial português.” Como tinham chegado a tais conclusões enquanto viajavam entre Lisboa, Porto e Setúbal? Na verdade, os membros da delegação, que umas vezes são tratados como “as especialistas” e outras como “os peritos”, encontraram-se com os activistas do costume e repetiram-lhe quase ipsis verbis o argumentário e as reivindicações, nomeadamente a de alteração dos programas de História e respectivos manuais que pelo tom das declarações produzidas nenhum destes peritos alguma vez viu à frente.
Para compor o ramalhete das indignações à medida, em tudo o que mexia estes peritos entreviram racismo: morreu um preso numa cadeia portuguesa? É racismo. Um táxi recusa-se a entrar na Cova da Moura? É racismo. A propósito desta ida de táxis à Cova da Moura não posso deixar de sugerir aos peritos que, da próxima vez que vierem a Portugal, se instalem num hotel próximo da Cova da Moura. Desse modo constatarão os inúmeros problemas que afectam os residentes da zona, sejam eles afrodescendentes, celtiberodescendentes ou visigododescendentes: insegurança em algumas ruas; falta de transportes públicos; um centro de saúde a funcionar num prédio de habitação; uma saída da estação de comboio (a da Damaia) fechada (há mais de dez anos!!!) precisamente para o lado da Cova da Moura e da Damaia de Cima… (A outra sugestão é que aproveitem a permanência nessa zona para abordarem as diversas expressões do racismo entre afrodescendentes e entre afrodescendentes e ciganos. Acreditem que vão ter matéria para vários relatórios.)
Todo o arrazoado dos peritos não passaria de um conjunto de mistificações rotineiras — a colagem dos peritos da ONU às teses da esquerda (ou vice-versa) tornou-se uma rotina sobretudo no campo dos direitos humanos — caso não tivesse consequências e estou certa que vai ter: segundo aqui se informa “estes peritos vão em 2022 apresentar um documento completo sobre a visita a Portugal ao Conselho de Direitos Humanos“. Obviamente lá teremos então a reivindicação de mais um observatório, de mais uma comissão, de mais cargos… tudo legitimado pelo rótulo “peritos da ONU”.
Por fim e porque há que descarbonizar, vamos poupar-nos a viagens inúteis: se o peritos da ONU vêm a Portugal fazer de megafone das teses do senhor Mamadou, podem muito bem ficar em casa bastando-lhes mandar de lá as opiniões próprias e alheias devidamente assinadas. Pelo menos contribuíam para a salvação do planeta como agora é moda dizer.
O embuste da protecção das crianças. Enquanto se lança uma campanha de vacinação para crianças contra a COVID, doença que praticamente não afecta as crianças, cresce, sem que isso cause qualquer perturbação, o número de crianças internadas por infecção pelo vírus sincicial respiratório (VSR) que está na origem das bronquiolites. Em Portugal, cerca de 20% das admissões hospitalares de crianças com menos de dois anos têm como motivo uma bronquiolite aguda. Apesar do seu elevado contágio até agora não se fechou nenhuma creche por aí existirem crianças infectadas com o vírus sincicial respiratório. Não se isolou ninguém por ter um irmão, um colega ou um filho com bronquiolite. Por mais estranho que tal pareça a quem veja o estado de pânico provocada pela COVID, nos Cuidados Intensivos não existem crianças com COVID mas sim com bronquiolites. Entre Julho e Dezembro, tiveram de ser ventiladas trinta das crianças internadas no Hospital de Santa Maria com bronquiolites. A maior parte delas tinha menos de um ano, como explicou o pediatra intensivista Francisco Abecasis, na SIC. Se queremos mesmo proteger as crianças temos de falar de bronquiolites e não de COVID. Mas é como se nas perguntas dos jornalistas e nas respostas dos políticos apenas existisse espaço para a COVID. O embuste tornou-se o novo normal.