Foi este sábado que o escândalo do século abalou o continente e as ilhas adjacentes. Houve manchetes e artigos de fazer tremer os vidros nas janelas. As redes sociais ferveram. Não sei se alguém desceu à rua ou já fez queixa à PGR. O facto é que um deputado português escreveu, há uns anos, uma tese de doutoramento em que se “preocupava com a discriminação das minorias” (sic). Sim, isso mesmo. Mas antes de rirem, notem: esse deputado é André Ventura – o mesmo Ventura a quem o regime confiou o encargo de representar o racismo em Portugal. Acontece que o homem de quem se esperava a reintrodução da escravatura em Portugal se inquieta, afinal, com a estigmatização dos imigrantes. Já não se pode acreditar em ninguém.
Enfim, de vez em quando, parece que precisamos de provar ao mundo que temos uma civilização original. Noutros países, o costume é embaraçar os políticos com velhos lapsos politicamente incorrectos. Foi assim que Justin Trudeau se viu em apuros no Canadá, quando apareceram fotos suas em “blackface”. Em Portugal, porém, o jogo é outro: descobrir a virtude de quem passa por pecador, denunciar os cordeiros vestidos com pele de lobo, expor a bondade dos malvados.
O mais curioso está na ideia de contradição. De acordo com os seus inimigos, André Ventura, a quem até agora chamaram racista, afinal não é racista. E, muito indignados, falam de hipocrisia. Mas onde está a impostura? Alguma vez Ventura reclamou ser racista? Pelo contrário: desde Loures, em 2017, sempre o negou. Foram os seus adversários quem o colaram ao racismo. Adversários que, pelos vistos, não tinham lido os escritos de Ventura. A contradição, a existir, não é entre o que Ventura diz agora e o que dizia no passado, mas entre o que os inimigos de Ventura diziam dele e o que agora descobriram. No entanto, é ainda a Ventura que exigem explicações. Sim, talvez ele tenha de explicar alguma coisa. Mas não terão os seus perseguidores de explicar muito mais?
Que disse afinal Ventura para obter o diploma de racista? Em Loures, disse que todos em Portugal, incluindo as minorias étnicas, deviam cumprir a lei e ser tratados pelas autoridades da mesma maneira. Não se pode falar das “minorias” desta maneira sem cometer discriminação racial? O Ministério Público achou que se pode. Os perseguidores nunca reparam nisso. Nunca lhes bastou argumentar que Ventura estava errado ou exagerava. Nunca quiseram admitir que podia ter dito o que disse sem acreditar em hierarquias raciais. Trataram-no sempre como um ideólogo da discriminação racial, um teórico do apartheid sul-africano. É desse ponto de vista que a tese de doutoramento de Ventura não faz sentido. Mas esse ponto de vista foi fabricado pelos seus inimigos, determinados em arranjar um racista à custa dele: porque se há uma demagogia que vive do medo da imigração, há outra que vive do medo da “extrema-direita”.
O racismo de Ventura é uma categoria imaginária, utilizada para estigmatizar quem não está matriculado nas devidas escolas de opinião. É verdade que não foi apenas a esquerda: também à direita se praticou o desporto de demonizar Ventura. Mas é costume as vítimas de bullying tentarem deflectir os maus tratos para outros: não sou eu que sou racista, é ele.
O interesse desta comédia absurda é lembrar a arbitrariedade facciosa com que se usam epítetos como “racista” ou “fascista”. E é curioso que tenha surgido quando alguns dos habituais autores dessas inquisições começam eles próprios a ser associados, por outros ainda mais puros do que eles, à “extrema-direita”. Como lhes saberá o seu próprio veneno?