Pouco sugere semelhanças entre Valongo e Banguecoque.  No entanto, o Hilton de Valongo é muito parecido com o Hilton de Banguecoque.  Ambos foram construídos nos anos cinquenta do século passado; a missão do arquitecto que os desenhou foi a de dar a quem entrasse no Hilton de Valongo a ilusão de que estava em Banguecoque; e a de dar a quem entrasse no de Banguecoque a de que estava em Valongo; e a ambos a de que estão em Cleveland; e a todos a de que vivem num país socialista. Ao estilo de arquitectura que lhes corresponde chama-se estilo internacional. A sua função é a função de persuadir que, visto do interior de um hotel desenhado pelas pessoas certas, o mundo não varia muito.

Existe também um estilo internacional em literatura. O caso mais singular é o dos romances. Nunca no passado os romances escritos em Valongo, em Banguecoque e em Cleveland se pareceram tanto uns com os outros. Em todos os romances publicados nos últimos cinquenta anos, sensivelmente desde que foi inaugurado o Hilton de Valongo, se contam os pensamentos e experiências que muitas dezenas de milhar de escritores decidiram partilhar com quem por fortuna ou deliberação lesse os seus livros. São normalmente histórias de sexo, viagens e causas incontroversas que fazem acreditar que a natureza humana, independentemente da latitude, se acha reiteradamente digna de atenção.

Todos os Outonos, na altura em que em Banguecoque e em Cleveland se celebra o Thanksgiving, no Hilton de Estocolmo um grupo de senhores transparentes exalta romances onde “a particularidade das experiências sociais localizadas se cruza com uma dimensão mundial num paradigma que a ela não se limita.” Ou, como afirmou logo a seguir a principal crítica literária valaca em declarações à imprensa brasileira, “the particularity of located social experiences intersects with a world dimension in a paradigm that it is not limited to it.”

Numa visita recente a Banguecoque, onde se realizava o Festival de Literatura de Estocolmo, uma excursão de jovens romancistas portugueses terá sido agradavelmente surpreendida com a semelhança entre os romances que se vendiam no átrio do respectivo Hilton e os que se vendem no Hilton de Valongo.  Olha, disse uma, também têm “Sunset in Cairo”. Olha, respondeu outro, “The Global Swan.” Olha, observou um terceiro com interesse, “Darkness on Fire”.  Olha, disse a Viúva que os acompanha sempre nestas alturas, “Raisins from the Ground.” Ao mesmo tempo uma excursão de autores internacionais chegada a Valongo para a Bienal das Artes de Cleveland via com gosto os seus próprios romances em exposição no átrio do hotel: olha “A Ilídia”; olha a “Ouriceia”; olha o “Zé André”; olha o “Creme e castiço”.

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