É já habitual na época de incêndios o aparecimento de artigos de opinião onde se apontam as vantagens económicas do eucalipto. O texto publicado no Expresso por Luís Aguiar-Conraria (22/07/22) segue esta tendência, argumentando que a floresta só pode ser preservada se for rentável. Até aqui nada de novo. No entanto, a questão a que importa responder é como podemos valorizar e proteger cada peça desse intrincado mosaico a que chamam floresta, considerando lucros de curto prazo e custos de médio e longo prazo das diferentes opções que podem e devem ser postas na mesa.

Reconhecendo não ter competências para fazer uma análise custo-benefício, Aguiar-Conraria nāo parece ter dúvidas sobre a suposta eficiência do setor das celuloses para gerir a floresta e os fogos, ignorando o problema estrutural de ordenamento que existe com este modelo. O autor chega até a criticar medidas de redução de consumo de papel na universidade onde ensina, afirmando que: “a redução de consumo de papel, tira valor económico às árvores, contribuindo para que não haja uma gestão da floresta, alimentando os incêndios no verão”.

Mais papel ou menos papel, devemos sublinhar que o tortuoso argumento de que as empresas de celulose são a solução para o flagelo dos incêndios parte de uma ideia falsa. Como referi em outro artigo, os sistemas privados de gestão florestal e combate de incêndios de que estas empresas dispõem nas áreas que controlam aplicam-se apenas a uma pequena parte dos eucaliptais destinados à produção de pasta de papel; o problema está nas muitas centenas de milhar de hectares onde o eucalipto cresce descontroladamente, agravando vulnerabilidades onde essa monocultura é mais evidentemente desadequada.

Reconhecendo nada perceber sobre fogos e eucaliptos, o autor recorre às teses de Paulo Fernandes, sobre a alegada ausência de provas de maior potencial de incidência relativa de incêndios em áreas de eucaliptal; cada um tem o direito de acreditar no que quiser, desde que leia atentamente as fontes que cita – é que o diabo está nos detalhes. Mas não vamos por aí. Quem conhece os fóruns onde esta quezília se perpetua com obstinação pelos trolls de serviço percebe que tais disputas se caracterizam pela mais crua indigência intelectual, conduzindo a um reducionismo vociferante que nos afasta da discussão que realmente urge fazer.

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Sejamos claros: promover a substituição estratégica de monoculturas em favor da diversificação económica, não nos livrará dos incêndios, que são também parte integrante do funcionamento ecossistémico; mas quem se ilude com a ladaínha gerencialista do fogo controlado para manter o que está aí, e for incapaz de distinguir entre o que devemos aceitar com pragmatismo e o que é inaceitável em cada lugar específico, será ainda mais incapaz de divisar alternativas viáveis para o futuro.

Num sentido mais positivo, devemos salientar que Aguiar-Conraria reconhece na parte final e mais feliz do seu texto que existem muitas estratégias possíveis para valorizar nossos recursos naturais, apoiar a produçāo local e rentabilizar a biomassa acumulada nos solos. Podemos ler nestas constatações um convite a uma reflexão mais profunda sobre o que seria uma economia saudável para o nosso território, tendo em conta as suas diferentes aptidões de base ecológica.

Para estimular este debate seria útil convocar o legado de tantos profissionais que se dedicaram e dedicam ao estudo da paisagem e sua evolução, muito para além do par de autores que o artigo abundantemente cita. Desde Francisco Caldeira Cabral a Manuela Raposo Magalhães, para apenas traçar uma linha no tempo de estudos aplicados no território nacional, são tantos os contributos valiosos para uma visão mais integrativa destas questões que tornam risível qualquer presunção dos citadíssimos “especialistas” que colonizam os meandros das redes sociais e arriscam escamotear a riqueza da discussão que já existe em Portugal.

A tendência de caricaturização deste debate entre amigos e inimigos do eucalipto, alimentado por um certo provincianismo que abunda nos meios académicos mais decadentes, cria ruído e antagonismos que interessam somente a quem nos quer fazer crer na inevitabilidade de um mundo onde tudo arde. Mas nunca foi tão fácil a qualquer pessoa dar um passo ao lado desse determinismo, na busca de uma posição ética de transformação do seu mundo: basta pensar pela sua cabeça.