Todos os anos depois da apresentação de cada Orçamento do Estado surgem sempre três questões: os pressupostos macroeconómicos são realistas? E a estimativa do défice (e da dívida) vai ser cumprida? E… como é que vai ser avaliado externamente, principalmente em Bruxelas?
Neste OE, à primeira vista parece que os riscos para o cenário macroeconómico são menores do que em 2016, mas os riscos para o objetivo do défice continuam elevados. E, não indo completamente ao encontro do que é esperado pela Comissão Europeia e pelo mercado, anda menos longe do que andou o Orçamento de 2016.
A primeira novidade do cenário macroeconómico é o facto de já não ser esperada uma expansão do PIB em torno dos 2%, como era esperado em Abril, e de estarmos cada vez mais longe do cenário de uma aceleração para mais de 2% inscrito no programa do governo. Para além disso, cai por terra o pressuposto de que esta aceleração seria suportada por um aumento da procura interna. O governo não só reconhece que a procura interna irá contribuir este ano praticamente metade do que esperava no OE (1,3% em vez de mais de 2%) e até do que estava incluído no PEC de Abril, como não espera um aumento em 2017. O consumo privado deverá crescer bem abaixo dos 2% em 2017 – apenas 1,5% depois de 2% em 2016 e 2,6% em 2015. Ou seja, a devolução de rendimentos não gerou nem irá gerar uma aceleração do consumo.
A aceleração da economia para 2017 assenta desta feita num maior crescimento da procura externa, de 4,2%, acima até do nível de 2015. Ora, sendo a procura externa algo que está sempre sujeito a riscos que não são de todo controláveis por qualquer governo, será sempre um excelente candidato a bode expiatório caso o cenário não se materialize. Se em 2016 a culpa foi da queda das exportações para Angola, algo que já se notava no início do ano, este ano o risco virá principalmente da zona euro, e de Espanha em particular.
Por outras palavras, o cenário macroeconómico parece bastante mais realista, ainda que sujeito a surpresas negativas, entre as quais um pior final de 2016. Caso o PIB se expanda apenas 1% em 2016 em vez dos 1,2% esperados pelo governo, isso poderá por si só retirar entre 0,1 e 0,2 pontos percentuais ao crescimento do próximo ano.
Quanto a outra pergunta (de 3 mil milhões de euros) – o objetivo do défice de 1,6% do PIB será atingido?
Aqui, os riscos são maiores. Em primeiro lugar, este valor parte de uma estimativa de 2,4% do PIB para o défice de 2016, algo que parece incerto e muito dependente de medidas como o perdão fiscal recentemente anunciado. Em segundo lugar, as medidas do lado da receita poderão estar sobrestimadas (tal como em 2016): não parecem assumir o impacto do novo aumento de impostos indiretos. E a famosa nova taxa sobre o património imobiliário, que deverá substituir o imposto de selo sobre imóveis acima de um milhão de euros, parece estar sobrestimada, já que assume um acréscimo de 160 milhões de euros acima dos 100 milhões já arrecadados pelo imposto de selo.
O efeito do cenário macroeconómico (0,5% do PIB) parece muito optimista tendo em conta que o governo apenas espera uma aceleração de 0,3 pontos percentuais em relação a 2016 — e inclusivamente uma desaceleração do consumo, a variável mais importante para as receitas fiscais. Em último lugar, tal como em anos e governos anteriores, algumas medidas são desenhadas para facilitar o ano em curso mas aumentam os riscos para os anos seguintes – neste caso, a redução gradual da sobretaxa do IRS leva a que o custo seja também suportado no próximo ano, mas provavelmente isto já é olhar demasiado para a frente…
Quanto à avaliação externa, o desenho de algumas medidas indica que, ao contrário do Orçamento para este ano, desta vez deverá ter havido alguma preocupação prévia com a reação da Comissão Europeia – algo compreensível tendo em conta a sua importância para a avaliação do rating por parte da DBRS.
Provavelmente o Orçamento não será “chumbado” como o foi em Fevereiro, mas deverão ter que ser feitos alguns ajustes. O ajustamento estrutural estimado pelo governo parece optimista, já que tem em conta 0,4% do PIB de outros efeitos que incluem principalmente a recuperação das garantias do BPP (0,2% do PIB) e um aumento dos dividendos entregues pelo BdP (cerca de 0,1% do PIB) – ou seja, na prática, para a Comissão Europeia poderá estar em causa um ajustamento de apenas 0,3% do PIB. Para além desta potencial divergência, acresce algo mais técnico e quase esotérico, que o Conselho de Finanças Públicas já refere no seu parecer ao OE: o cálculo do hiato do produto (output gap). No entanto, este cálculo só será avaliado mais tarde pela Comissão Europeia. Para já, dificilmente a Comissão será tão dura como em Fevereiro, e dificilmente a DBRS agravará a sua avaliação da dívida portuguesa na próxima sexta-feira.
E, para terminar, outra questão, quase retórica: a dívida pública desce? O governo assim espera, mas, tendo em conta os riscos referidos acima, provavelmente voltará a aumentar. Mas, tal como quando as coisas correm mal no futebol: para o ano é que é!