Chega a ser enigmático o consenso entre políticos de todas as oposições e entre economistas de todas as escolas na condenação do governo por ter aproveitado um surto inflacionista inesperado para eliminar o défice do orçamento e consequentemente reduzir o peso da dívida pública no PIB para menos de 115 por cento.

Mesmo depois de os juros dos títulos da dívida a dez anos terem atingido 3,5 por cento e de alguns dos maiores bancos europeus darem sinais de não aguentar nem

sequer a tímida política monetária do BCE, aqueles protagonistas portugueses não se cansam de competir entre si na advocacia do aumento das despesas públicas não obstante saberem que o nosso nível de fiscalidade é já asfixiante em relação ao nosso nível de prosperidade.

E no entanto, a não ser a premência que o surto inflacionista veio trazer à necessidade de consolidar as contas públicas, não há nada de surpreendente na política orçamental seguida pelo governo posto que fora anunciada na campanha eleitoral de 2019 sob a forma de um avisado compromisso para até ao fim da legislatura tornar a dívida pública inferior ao PIB, como sempre fora desde pelo menos 1851 até ao fim de 2009.

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A pandemia e a dissolução antecipada do parlamento vieram interferir na concretização daquele calendário mas na campanha eleitoral de há um ano atrás o compromisso de reduzir o peso da dívida pública para menos de 100 por cento do PIB em quatro anos não foi revogado.

Portanto, além de relevar da mais elementar sensatez, o aproveitamento do surto inflacionista de 2022 para dar um golpe de misericórdia no défice anual das contas públicas está mais do que vinculado à vontade dos eleitores – o que decerto seria confirmado em qualquer sondagem de opinião sobre o assunto.

Com efeito, podemos discordar de outras políticas do governo mas com a redução do peso da dívida pública tenha a certeza que a maioria senão todas as famílias e empresas portuguesas concordam, pois apesar de apenas metade das primeiras pagarem IRS e metade das segundas pagarem IRC, todas pagam uma das maiores taxas de IVA da UE.

Este estranho consenso das oposições contra uma política crucial do governo, que devia ser inquestionável para o centro-esquerda e para o centro-direita, é a prova de que o então ministro dos Negócios Estrangeiros Luis Amado tinha razão quando defendeu em 2009 que seguíssemos as pisadas da Alemanha e constitucionalizássemos a proibição de contrair dívida pública acima de 60 por cento do PIB.

Esperemos pois que o governo não mude de política sob a pressão demagógica das oposições e bem pelo contrário continue a aproveitar a inflação para reduzir o peso da dívida pública até alcançar o limiar de sustentabilidade que alguns economistas defendem andar pelos 95 por cento do PIB.

Sendo que o ideal seria naturalmente aproveitar o processo em curso de revisão da constituição para, na senda da Alemanha, nela introduzir duma vez por todas um duplo travão, contra a apresentação ao parlamento de projetos orçamentais deficitários e contra a venda de títulos de dívida pública acima de 60 por cento do PIB.