No passado dia 10 de fevereiro o País chegou a casa ao final do dia confrontado com a notícia de que a Polícia Judiciária tinha impedido um massacre numa das nossas universidades. A detenção de um jovem de 18 anos que, ao que tudo indica, se preparava para realizar um ato de chacina para com os seus colegas e professores, na faculdade que este ano letivo começou a frequentar, deixou o País em estado de alerta.

Antes de qualquer consideração, permitam-me deixar bem claro que em nenhum momento relativizo ou diminuo a gravidade do que está aqui em causa. Até porque, sendo professor numa instituição de ensino superior – com a responsabilidade de acompanhar alunos que frequentam o ensino superior no seu primeiro ano – e tendo um filho a frequentar a instituição em causa, consigo de forma muito realista antecipar o horror do que seria aquela sexta-feira que tudo indica esteve muito próximo de acontecer.

No entanto, acho que também é minha obrigação registar a preocupação que a realidade me tem vindo a acenar, e que me diz que a materialização de uma situação desta natureza vinha a tornar-se apenas uma questão de tempo e de que, acontecendo, existem algumas situações relativamente às quais não fomos capazes de dar a resposta adequada. No “fomos” incluo muitos níveis de responsabilidade da nossa sociedade: as famílias, as várias instituições, os professores e os alunos. E eu próprio, naturalmente.

Primeiro: tudo aponta para que o jovem em causa é um “excelente” aluno, se o medirmos na métrica sob a qual temos o sistema educativo organizado. O que nos leva à profunda questão sobre o que é afinal o “sucesso” em Educação? Educação num sistema onde a competitividade é incentivada e promovida de forma quase exclusiva, e onde a preocupação com as dimensões cognitivas abafam todas as outras dimensões, como as dimensões sociais e emocionais. Num sistema assim, crianças e jovens com problemas profundos passam completamente despercebidas desde que o resultado académico que elas apresentam esteja verificado.

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Segundo: torna-se gritante a forma como as instituições de Ensino Superior lidam com os alunos do primeiro ano. Na sequência de uma preocupação com a mobilização de candidatos para os seus cursos, contrasta o “abandono” seguinte a que os alunos são deixados. Onde tudo está essencialmente organizado para funcionar como um mecanismo oleado. E que funciona sem nunca olhar diretamente para o Aluno, sem nunca se questionar sobre o que se passa com aquele indivíduo. Indivíduo que foi desafiado a juntar-se à instituição, mas o qual, após as sessões de boas-vindas e as entregas de vistosos kits de caloiro, simplesmente é deixado à sua sorte, no tal contexto de competitividade crescente e onde o incentivo implementado é “cada um olhar para si”.

Terceiro: existe atualmente um iceberg escondido no caminho da Educação que tem o potencial enorme de provocar estragos profundos naquilo que somos como sociedade. Começa a ser de facto observável que os impactos da pandemia no desenvolvimento das nossas crianças e jovens é muito mais profundo do que o que temos vindo a considerar. Começa a ser claramente observável o profundo prejuízo que os últimos dois anos provocaram no desenvolvimento emocional e na estabilidade mental das nossas crianças e jovens. Isto para além dos impactos provocados nas aprendizagens que até hoje ainda ninguém abordou de forma eficaz.

Não é totalmente claro para mim o objetivo de tornar público o excelente trabalho que, tudo indica, foi realizado pela Polícia Judiciária. E isto porque, tendo sido evitado algo de consequências extremamente dolorosas, a divulgação da ação da polícia provocou, mesmo que em muito menor escala, uma parte daquilo que seria consequência do ato em causa: uma dor coletiva acompanhada de um sentimento de alarme e de medo. Que ao menos o surgimento desse sentimento tenha a utilidade de percebermos definitivamente que é necessário mudar o foco. Um sistema educativo que se estruturou no paradigma do sucesso pela competitividade é um sistema desenhado para originar contextos de consequências desastrosas para cada um dos nossos alunos, e consequentemente para todos nós. É mesmo muito crítico que o foco do sistema de educação se altere de modo a começamos a educar realmente para a felicidade. Individual e coletiva. Onde palavras como empatia, partilha e compaixão estejam fortemente incluídas nas métricas de sucesso e no compromisso de todos.