Xi Jinping, incontestado líder chinês, tem-se divertido a pôr à prova o resto do mundo. Se a pandemia que hoje vivemos não é da sua inteira responsabilidade – refiro-me à tardia divulgação de dados à OMS – isso não significa que muitos dos outros problemas mundiais, a maior parte deles negligenciados, não o sejam.

Quem prestar atenção a geopolítica e história estará, certamente, a relacionar alguns pontos cruciais que, com maior ou menor alcance, têm a capacidade de espoletar uma crise militar (para não utilizar a palavra “guerra”). A China, grande rival económica dos EUA, esperou pacientemente durante os últimos anos por uma brecha temporal que lhe permitisse atingir o estatuto da maior nação a nível mundial. A crise da Covid-19, que continua a assolar os países ocidentais, foi o momento perfeito. Há dois pontos que o explicam:

1. A China é composta por várias regiões, línguas e dialetos, por mais de um bilião de habitantes e rodeada por múltiplos países fronteiriços com quem mantém relações extremamente atribuladas. Uma das regiões semiautónomas que se insere dentro da monumental área geográfica chinesa é a província de Xinjiang. Esta província, composta maioritariamente por população muçulmana, formada pelo povo uigur, está a ser alvo de uma perseguição implacável por parte do governo central chinês. Os problemas desta região remontam às décadas de 30 e 40 do século passado. Todavia, em meados de 2009, através de vários motins contra as políticas chineses, a tensão aumentou substancialmente, resultando na morte de 200 Uigures. O povo uigur, que através da rebelião já declarou a independência do Estado do Turquestão Oriental por duas vezes, volta a ser notícia pelas piores razões. Pequim tem várias divergências com diversos dos seus vizinhos. Acontece que Xinjiang é imprescindível para as políticas de defesa chinesas, uma vez que faz fronteira com oito países, defendendo dessa forma a capital de uma (potencial) investida militar estrangeira. A sua importância deve-se, ao mesmo tempo, ao facto deste território ser rico em recursos naturais, bem como por deter uma das maiores bases militares chinesa.

Nos últimos anos, a China construiu quase 400 campos de detenção nesta província. As Nações Unidas já declararam que mais de um milhão de Uigures, membros de minoria muçulmana, estão detidos. Como é usual, Xi Jinping, rejeita todas as acusações de que é alvo, alegando que estes campos não são mais do que campos de reeducação – uma ligeira semelhança ao discurso usado pelos nazis, não? Adiante. Por todo o mundo existem organizações que apelam à libertação da minoria muçulmana, como o “Congresso Mundial Uigur” situado na Alemanha. Mas, a verdade, é que a falta de vontade política ocidental em travar os extremismos de Pequim, aliada à dificuldade organizacional deste povo em se fazer ouvir na “comunicação social”, são um obstáculo à defesa dos direitos humanos que todos os dias são postos em causa nesta região.

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2. Longe vão os tempos em que a China era uma potência marítima. Ultimamente tem-se esforçado para voltar a sê-lo. Segundo alguns estudos, a China demorará cerca de 25 anos a alcançar uma frota naval que lhes permita fazer “frente” à marinha dos EUA. Nesse contexto, e através de um colossal investimento na área de defesa (marítima), a China tem feito inúmeros avanços tecnológicos e militares, tendo como ambição o controlo dos mares que rodeiam a sua costa. Uma das principais metas do fortalecimento da sua marinha tem que ver com a situação de Taiwan. A China controlou a região de Taiwan várias vezes desde o século XVIII, mas, durante o século XX, só o liderou entre 1945-1949. Ainda assim, Pequim arroga o território como a sua vigésima terceira província.  Porém, no decorrer da Guerra Fria, Taiwan conseguiu que os EUA se tornassem seus aliados e daí surgisse uma das mais preciosas ajudas para combater as intenções chinesas: umas forçadas armadas totalmente treinadas e financiadas pelos Estados Unidos. Aliás, o mais importante fator da aliança é que, caso a China invada Taiwan, os EUA, ao abrigo da Lei de Relações com Taiwan, de 1979, são obrigados a envolver-se no conflito em seu auxílio. No entanto, caso seja Taiwan a declarar um ato de guerra, os norte-americanos não estão obrigados a intervir.

Nas últimas semanas, Pequim tem posto à prova a nova administração de Joe Biden, reforçando atividades e treinos militares muito perto da jurisdição marítima de Taiwan. Esta provocação, comum nas transições de poder norte-americanas, foram vistas de uma forma muito negativa pelo POTUS, que rapidamente enviou uma frota norte-americana, de modo a promover a “liberdade das águas”. Esta atitude chinesa veio reforçar a sua posição expansionista e totalitária perante os seus vizinhos: estão, mais uma vez, determinados a recuperar o que é seu, e, na visão de Pequim, Taiwan é propriedade chinesa.

A China posiciona-se, como toda a sua história filosófica demonstra, num patamar diferente, mas não superior, em relação aos restantes países. Apresenta uma visão de sociedade completamente distinta da do Ocidente, ao considerar que o sentimento coletivo está acima do individual. Infelizmente, desde a ascensão do comunismo de Mao, e mesmo com todos os avanços dos últimos anos, a China continua a representar um grande perigo para os direitos humanos, como é o caso das prisões na província de Xinjiang, assim como uma ameaça expansionista à medida que vai ganhando cada vez mais relevância económica e militar.

Como diria Tim Marshall, “para Pequim, a unidade e o progresso económico são muito mais prioritários do que os princípios democráticos”. O Ocidente tem o dever de estar atento.