Não, não foram desfavorecidos sociais dos subúrbios, imigrantes marginalizados ou vítimas de distúrbios psicológicos ou comportamentais que assassinaram 12 pessoas, em Paris, a 7 de Janeiro de 2015. Os dois encapuçados que irromperam pela redação do Charlie Hebdo com Kalashnikovs, num verdadeiro ato de guerra premeditado, eram militantes da ummah, proponentes da sharia e combatentes da jihad.
Muito se fala dos riscos multifacetados da imigração ilegal na Europa, mas em França, o desafio sócio-cultural, económico e securitário procede da imigração legal. O grande problema reside no número: quase 500 mil entradas anuais no país, com a imigração magrebina à cabeça. Mais do qualquer governante que o precedeu, Macron viu na imigração uma oportunidade económica – face a uma economia estagnada e endividada -, e demográfica – face ao envelhecimento da população e baixa taxa de natalidade. Pois bem, a marcha demográfica acelerou e é hoje irreversível. 30% dos nascimentos em França provêm da imigração não-europeia. Nos subúrbios das grandes cidades, mais de 50% dos menores de 18 anos têm pais não-europeus, podendo, em casos extremos, como o de La Courneuve, chegar a impressionantes 75%. O que Macron ignorou, foi que emitir milhões de vistos de residência para a diáspora islâmica envolveria importar em massa costumes, valores e práticas incompatíveis com a república livre, secular, pluralista e desassombrada que é a França.
O islão é bem mais do que uma religião derivada dos ensinamentos proféticos de Maomé, a ele revelados pelo anjo Gabriel no século VII. Por trás da religião há um código civil que rege a vida em sociedade dos crentes, por trás do qual há uma ideologia política teocrática, por trás do qual há uma nação muçulmana, por trás da qual há uma missão de conquista e expansão, não sendo surpresa que 74% dos jovens muçulmanos em França defendam a primazia da sharia face à lei francesa. O islão lida mal com a liberdade, pois é totalitário por natureza, aplicando-se a todas as questões da vida (vestuário, alimentos, tratamento de animais, finanças, casamento, sucessões, etc). O islão tem uma relação conturbada com a igualdade, pois coloca em desigualdade perante a justiça, educação e sociedade mulheres, homossexuais, apóstatas e não-crentes. O islão é incompatível com a laicidade, princípio basilar da democracia francesa desde 1905, pois não distingue entre Estado e religião, assim como Maomé era profeta, governante e guerreiro em simultâneo, e porque adota uma visão bifurcada do mundo entre fiéis (“dar al-Islam”, habitantes de territórios em paz) e infiéis (“dar-al Harb”, habitantes de territórios por subjugar), tornando difícil a coexistência pacífica com o mundo não-islâmico.
O ataque sanguinário à sede do Charlie Hebdo há dez anos atrás, motivado pela publicação de caricaturas de Maomé, foi uma lembrança sombria de que a liberdade vem com uma fatura pesada para o islão. Desde então, a agenda da submissão não parou de avançar em França, concretizando-se atualmente em três dimensões.
A primeira, mais chocante, traduz-se em episódios de violência, incluindo atos de terrorismo, que evoluíram de ataques coordenados esporádicos (Bataclan, Nice, Estrasburgo) para atentados individuais mais regulares com recurso a armas simples (facas, veículos). A França passou a ser o epicentro de quase metade dos atentados islamistas ocorridos na Europa. Este é o avanço do islão como hard power, em manifestações tangíveis do conflito de civilizações pós-Guerra Fria, teorizado por Samuel Huntington.
A segunda decorre da natureza da religião, que se fundamenta em comportamentos exteriores (ortopraxia) e na vivência da fé como um modo de vida. Por exemplo, a multiplicação do comércio halal, de mesquitas e livrarias islâmicas ou de práticas ostensivas como o uso do véu e turbante, orações públicas ou poligamia. Trata-se de elementos maioritariamente visuais e simbólicos, mas não menos hostis, pelo seu profundo enraizamento na sociedade francesa em detrimento dos costumes locais. A gravidade decorre também do fato de poderem influenciar muçulmanos liberais e assimilados, por pressão comunitária, sem que o Estado consiga defender a sua liberdade de escolha.
A terceira e mais danosa, pela sua profunda institucionalização, é a consolidação do islão como ideologia. Este fenómeno nasce de uma aliança contra-natura (“islamo-gauchisme”) entre a esquerda francesa, que trocou a classe operária pela população de confissão islâmica como base eleitoral – cortando com a laicidade republicana -, e comunidades ultra-conservadoras e fechadas, separatistas, patriarcais, misóginas e antisemitas de origem magrebina, árabe ou subsaariana. Aqui temos o islão como soft power, a travar uma batalha política, identitária e cultural em solo francês, ancorado na histeria woke que levou uma marca bicentenária como a Evian a desculpabilizar-se publicamente por incentivar o consumo de água durante o Ramadão, ou que encorajou os tensos protestos estudantis pró-Palestina que paralisaram as universidades Sciences Po e Sorbonne. Diga-se de passagem que esta coligação, patrocinada pelo incendiário Jean-Luc Mélenchon, ganhou um novo alento com a exploração da vitimização palestiniana no seguimento dos atentados de 7 de Outubro (que 45% dos muçulmanos franceses descrevem como “atos de resistência”).
Ironicamente, foi o espírito de subversão e libertação de convenções do Maio de 68, tão querido à esquerda, que moldou o humor provocador das publicações do Charlie, que não hesita em ridicularizar figuras de autoridade, estruturas de poder ou tabus sociais. Porque nem tudo foi mau nestes dez anos, o legado do semanário satírico resistiu à intolerância e permanece como um poderoso símbolo da liberdade de expressão e de imprensa, valores inalienáveis numa democracia. Diante da crescente ameaça de um neocolonialismo disfarçado, a França deve seguir este exemplo corajoso e preservar aquilo que a define. Sem medo de represálias, os professores de história devem continuar a ensinar sobre as Cruzadas e as vitórias de Charles Martel, os parisienses a disfrutar longos almoços com vinho em esplanadas, os museus a exibir quadros e esculturas de mulheres nuas, as raparigas a vestir mini-saia a seu bel-prazer, as ruas a brilhar com iluminações de Natal e o direito à blasfémia a ser livremente exercido. Hoje somos todos Charlie, mas a França nunca deve deixar de o ser.