O mercado, ou o povo, porque o mercado somos todos nós em interação uns com os outros. E o mercado, ou o povo, falou neste domingo e disse-nos coisas de extrema importância, que quase ninguém soube antecipar.

A primeira foi que está exausto: exausto da pandemia, da falta da normalidade, da instabilidade que, pelo menos desde há dois anos, se instalou na vida de quase todos. Esta foi a primeira perceção que o mercado teve destas eleições e, principalmente, daquilo que até elas nos conduziu: as pessoas queriam manter o que estava, porque ainda não sentiam necessidade premente de mudar e tinham a expetativa de que as coisas melhorariam num prazo breve. Havia o fim da pandemia à vista, a miragem dos milhões de Bruxelas, o tão propagado esforço para manter Portugal na normalidade possível, que a recuperação estava a chegar apesar das contingências pandémicas. Se era assim, deitar o governo abaixo, fazer “eleições desnecessárias”, por outras palavras, arriscar perder tudo o que se acredita vir a caminho servia para quê? Os portugueses são conservadores, ou antes, a espécie humana é naturalmente conservadora, porque, como lembrava Michael Oakeshott, mudar dá trabalho, e só a expetativa de um ganho nos poderá conduzir à ação, como acrescentava Ludwig von Mises. Foi a esta mensagem, ao sentimento mais profundamente conservador do povo português, que António Costa se agarrou e dirigiu durante toda a campanha. Quase todos o desvalorizámos, convencidos de que o homem estava cansado, que já não tinha o que dizer e que as coisas lhe corriam mal. Resultado: uma maioria absoluta ao fim de seis anos de uma governação desgastante e de um governo desgastado.

A segunda é a de que, em tempos de martírio, saturação e sacrifício, o mercado não tolera quem o mace excessivamente com toleimas e garotices. Foi por isso que as pessoas condenaram o PCP à insignificância, o Bloco à quase-extinção e o CDS à efetiva sublimação. Em boa verdade, quando as pessoas andam de máscara na cara, perdem empregos, renda e segurança, e só saem à rua quando os deixam e como os deixam, que reserva de pachorra poderão ter para os discursos quadrados e inúteis dos comunistas, as fintas espertalhonas das meninas da esquerda-caviar e as trampolinices sobre as lideranças e os congressos dos azougados jovens democratas-cristãos? A resposta foi dada no domingo: nenhuma.

A terceira, também muito clara, é que há espaço para coisas novas, mas que elas estão à prova. O mercado costuma ser exigente perante o desconhecido. Desse modo, a Iniciativa Liberal e o Chega tiveram vitórias eleitorais? Tiveram, sem dúvida, mas tiveram-nas à sua escala e não cresceram para além do que fora o melhor espaço do CDS de Paulo Portas em 2011: 12% dos votos e 20 mandatos parlamentares. Ora, sendo isto uma boa base de partida, e que teria um imenso valor político num cenário de maioria parlamentar simples do PS, não é muito para a travessia do deserto que se adivinha que será a política portuguesa nos quatro anos que aí vêm. De facto, com uma maioria absoluta monopartidária, sem debates quinzenais no Parlamento, a comunicação social no bolso, Marcelo no bolso, autarquias, associações patronais e sindicais, e a generalidade dos grupos socais no bolso, ou melhor, à espera de sentirem nos bolsos o tilintar da pecúnia europeia do PRR, que espaço sobrará para a Política? Muito pouco. Num cenário pessimista, nenhum.

Por último, o PSD. E, aí, as notícias podem não ser tão más como parecem, porque, pelo menos, o resultado de domingo teve o mérito de enterrar, de vez, a tese de que o PSD, para ganhar eleições, tem de se situar ao centro, sem se deixar conspurcar pelas más companhias da direita e do “neoliberalismo”. Foi um velho debate de décadas, com muitas distorções argumentativas, a maior das quais a de que o PSD de Sá Carneiro era genuinamente social-democrata e não da direita sociológica do País. O mercado foi muito claro sobre isso: só dará nova vitória ao partido de que Rui Rio ainda é líder se ele voltar a ser a casa comum e popular de tudo o que à direita do PS possa ter valor acrescentado. Sem ostracizações e, sobretudo, com a clara consciência de que a função do partido é a de oferecer uma alternativa ao socialismo, que agora terá de ser pluripartidária. Quem poderá liderar isto, que será uma verdadeira refundação do PSD, bom, aí o problema é muito mais complicado, porque não se fazem líderes em quinze dias. O certo é que já na noite de domingo deveria ter sido muito claro o protagonista para o novo ciclo, e não foi.

E esta foi a última grande lição que as pessoas deram à direita: não voltem a aparecer-nos sem algo de alternativo, sério, convincente e credível para as nossas vidas, que seja capaz de nos levar a mudar de voto. Para isso, concederam-lhe um generoso prazo de quatro anos. Passam num instante.

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