Em democracia há, essencialmente, três tipos de voto: por adesão carismática; por adesão programática/ideológica; e por rejeição.

O voto por adesão carismática é o de simpatia para com um líder.

O voto por adesão programática/ideológica ocorre por identificação com as ideias estruturantes do programa de um partido.

O voto por rejeição incide sobre o partido que está em melhores condições para afastar aquele que se encontra a governar, assinalando insatisfação para com as políticas públicas que pôs em prática.

Apliquemos isto às atuais circunstâncias da direita portuguesa, que vai a votos a 10 de Março, considerando, para esse efeito, a AD, o Chega e a IL.

O voto carismático só poderá incidir sobre o Chega, juízo mais do que objetivo, goste-se muito, pouco ou nada de André Ventura. Ventura é o Chega e o Chega é Ventura, como os seus inimigos não se cansam de repetir. Esta constatação e o número crescente de intenções de voto nesse partido bastam para confirmar a afirmação inicial.

O voto programático/ideológico é preferencialmente destinado à IL. Os liberais dizem que não são um partido de líderes nem de carismas, mas de ideias e convicções. Em demonstração disso, exibem os quatro líderes que tiveram em pouco mais de cinco anos de existência, cada um dos quais com personalidades muito distintas mas com o partido sempre a crescer.

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O voto de rejeição ao Partido Socialista deveria ter por destino preferencial a AD, acreditando-se que o bloco liderado pelo PSD é o que está em melhores condições para substituir o partido do governo. A rejeição acontece, por regra, quando um governo está desgastado por muitos anos de poder, transferindo-se alguns votos decisivos para o partido que lidera a oposição.

Depois deste juízo prévio, há que responder à questão seguinte: qual o tipo de voto que maioritariamente levará alguém a escolher os partidos da direita, no próximo dia 10 de Março? Responderia que, maioritariamente, esse voto será animado pela intenção de afastar o PS do governo. Os socialistas já governam há longos anos, o governo de maioria absoluta esteve comprovadamente mal, com inúmeros casos e múltiplas demissões, os serviços públicos estão em rutura e os portugueses sofrem com isso. O PSD, ou melhor, a AD, como partido do polo oposto ao PS no rotativismo português existente desde 1975, deveria ser o destino deste tipo de voto.

Tomando este conjunto de asserções por verdadeiras, a AD e a IL têm cometido um erro grave ao não esclarecerem, com total clareza, se obstaculizarão, ou não, em todas as circunstâncias um governo do PS, ainda que este seja minoritário e a direita tenha maioria parlamentar. É que, a confirmarem-se as sondagens dos últimos meses, um governo de direita não poderá prescindir dos deputados do Chega. E se a direita, recusando o Chega, não for para o poder por lá continuará o PS. O poder, como é público e notório, tem horror ao vácuo.

E o que têm dito, a este propósito, os responsáveis destes partidos? Num momento de desvario político, Nuno Melo afirmou que a AD preferia viabilizar um governo minoritário do PS do que ver o Chega no governo, o Chega de quem a AD é, segundo o próprio, «o maior inimigo». Mandado estar calado, para que Câmara Pereira não se sentisse sozinho, deu o dito por não dito, tendo a emenda saído pior do que o soneto. A IL garante que não viabilizará um governo do PS, mas também que em circunstância alguma o fará a um governo do qual o Chega esteja próximo. Luís Montenegro, por sua vez, afirmou duas coisas: que nunca irá para o governo com o apoio do Chega e que não formará governo se não ganhar as eleições.

Nesta situação é legítimo que muitos potenciais eleitores da direita perguntem para que servirá votar nessas duas formações partidárias, na AD e na IL, se, para aqueles que essencialmente querem tirar o PS do poder, a possibilidade desse partido continuar a governar é real, ainda que haja maioria parlamentar à direita. Esse voto de rejeição ao PS poderá então encaminhar-se para o Chega, cujo líder, cavalgando a oportunidade que lhe foi dada pela AD e da IL, afirmou perentoriamente que em nenhuma circunstância viabilizará um governo do PS. Com o entusiasmo da cavalgada, Ventura esqueceu, todavia, uma circunstância: então, se a AD e a IL apresentarem um governo sem maioria e sem o Chega, este partido votará contra o seu programa, fazendo-o cair e permitindo que o governo regresse aos socialistas, ou votará a favor, ainda que tenha sido escorraçado da solução política que apoiará?

A direita está, assim, no próximo dia 10 de Março, numa estrada sem saída. A não ser que a AD e a IL atinjam 116 deputados, hipótese em que ninguém acredita, não haverá governo à direita em Portugal, porque esses dois partidos não governarão com os votos e os deputados de André Ventura. Esta grotesca situação é consequência de terem caído na esparrela que o PS lhes montou a pretexto do Chega, impondo-lhes uma obrigação quase moral de se demarcarem mais desse partido do que do próprio Partido Socialista. António Costa, que derrubou os muros que separavam o PS da extrema-esquerda para ir para o poder, sabia muito bem o que estava a fazer quando deu destaque, supostamente pela negativa, ao partido de André Ventura: por um lado, inviabilizava uma coligação de governo em que o Chega fosse necessário para a maioria absoluta, e, por outro, focou toda a oposição no Chega e não no PS. Ou seja, os partidos da alternativa, em vez de explicarem a quem pedem o voto porque devem ser eles a ir para o governo e não o PS, têm passado o tempo a dizer que nunca o farão com o Chega, que nunca governou. Ou seja, andam a falar sozinhos.

É por estes motivos que o Chega continua a crescer. Não propriamente por qualquer ideologia ou programa, que os não tem, ou que vai tendo consoante as conveniências eleitorais pressentidas, mas porque, mais do que um partido, o Chega é um movimento de contestação liderado por alguém que detém um certo carisma e alguma coragem, o que atrai pelo menos dois tipos de voto: o de adesão carismática e o de rejeição.

Podem, a AD e a IL, ainda arrepiar caminho? Esquecer o Chega e concentrarem-se no PS, como sempre deveriam ter feito? Talvez. Mas tenho dúvidas, porque, até agora, neste PSD só se ouviu uma voz sensata sobre este assunto: a de Pedro Passos Coelho. Por enquanto, é ele o único adulto na sala.