No próximo dia 24 de Janeiro vou votar no Tiago Mayan Gonçalves. Os fundamentos do meu voto são bastante simples: irei votar no Mayan pelo que ele é, por aquilo que ele representa – e, finalmente, por aquilo que ele não representa.

Conheci o Mayan na faculdade, algures nos anos 90, quando ambos frequentávamos o curso de Direito. À época, presidia ao núcleo português de uma associação europeia de estudantes de direito– a “ELSA” (“The European Law Students’ Association”) – à qual o Tiago, uns anos mais novo do que eu, se havia juntado como sócio do núcleo local da Católica Porto. A ELSA é seguramente o projeto associativo em que me envolvi com mais empenho e entusiasmo (próprios da juventude, mas também dos tempos de esperança que se viviam), numa fase em que não havendo nem Twitter nem Instagram, as ações cívicas se faziam junto das pessoas e não no sofá ou na bolha nas redes sociais. Viviam-se tempos de mudança, distintos dos da época revolucionária (não andámos a partir mesas nem nos envolvíamos em atividades bombistas, até porque a extrema-esquerda estava profundamente demodé, o que tinha para oferecer era a UDP, o PSR, o PCTP-MRPP, o Major Tomé, o Francisco Anacleto Louçã, o Fernando Rosas e o saudoso Arnaldo de Matos), mas nem por isso menos interessantes. Por esses anos, era muito mais apelativo defender valores cívicos do que ideológicos: na ELSA organizámos ações no estabelecimento prisional de Paços de Ferreira, diversas iniciativas de sensibilização a favor da criação do Tribunal Penal Internacional (que veio, efetivamente, a ser criado em 1998, com o objetivo de julgar indivíduos pela prática dos mais graves crimes internacionais), que incluíram sessões de Moot Court de grande impacto, cursos sobre direitos humanos e estágios nas Nações Unidas junto do Comité Preparatório criados para o efeito; exibições de documentos e provas recolhidas pela Cruz Vermelha Internacional na guerra dos Balcãs, ainda não havia sido bombardeada Belgrado, entre diversas iniciativas relacionadas com os temas mais prementes no direito internacional. O Mayan foi, desde o início, uma das pessoas mais colaborantes e empenhadas, não tendo sido surpresa para mim que, anos mais tarde, se tenha ele próprio tornado presidente da ELSA Portugal. Não foi, porém, um presidente qualquer: é pacífico e consensual que o Mayan é o melhor representante do ELSA spirit, o mais emblemático e respeitado alumni da ELSA Portugal e o seu principal bastião. A sua capacidade de unir, agregar e manter a cidadania viva – que vários portugueses têm vindo a conhecer e a sinalizar nesta campanha – é o traço mais marcante da sua personalidade. Exemplo disso é que, num mundo cada vez mais agreste e polarizado, a 10 de Abril de 2015, vários amigos, com simpatias políticas antagónicas e em jeito de brincadeira (mas visivelmente avant la lettre), tenham lançado na rede social Facebook um grupo privado (que junta hoje 1300 membros) designado “Mayan a Presidente da República”. Toda a história deste grupo é bom exemplo da saudável leveza, do carisma e da mundividência de um candidato que, sendo desconhecido de muitos, tem o apoio indefetível de muitos daqueles que o conhecem bem.

Mas se o Mayan vale por aquilo que é, a sua candidatura vale muito mais por aquilo que ela representa – um espaço político em construção em Portugal, que o candidato tem sabido reforçar e valorizar.

Num tempo em que a política partidária e os valores que a suportam estão em clara redefinição, Mayan representa o espaço político dos que acreditam na liberdade e na civilização, na democracia liberal e no pluralismo. Tem o apoio da Iniciativa Liberal, mas é mais do que um candidato partidário: é o candidato liberal, no sentido em que tem conseguido trazer uma visão liberal para uma série de problemas que estão na primeira linha da agenda política, como o resgate da TAP, dos bancos, a gestão da crise pandémica, a pobreza que o Estatismo acarreta para Portugal ou o retrocesso civilizacional que simbolizam quer as extremas-esquerdas, quer os populismos de direita. Tem-no feito de uma forma que pôs a pensar muitos cidadãos que, até hoje, não tinham tido a possibilidade de os ponderar fora dos pressupostos socialistas. A candidatura do Mayan tem vindo a alargar o espaço de compreensão sobre o que é o liberalismo, dissipando vários fantasmas, assinalando diferenças sem gerar crispações, criando consenso e simpatia para lá do seu eleitorado natural. Ora, também por isso, o Mayan merece o meu voto.

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A candidatura de Mayan tem ainda a virtude de permitir que vários eleitores não fiquem órfãos de representação nesta eleição.

Há um núcleo de eleitores que, tendo votado em Marcelo Rebelo de Sousa em 2015, não faz hoje um balanço positivo do seu mandato. Ao contrário, porém, de uma boa parte da direita que se divorciou de Marcelo Rebelo de Sousa, continuo a ter simpatia pela persona. Não esperava, como alguns, que o Presidente da República fosse o suporte da direita e, sobretudo, do PSD/CDS, contra a governação da geringonça. A meu ver, os grandes responsáveis pelos desaires eleitorais, à direita, são desde logo os líderes políticos que não souberam cativar os eleitorados e desmontar a geringonça; e os próprios eleitores, pelas escolhas que fizeram nas urnas.

Marcelo Rebelo de Sousa é, porém, responsável pelas suas próprias escolhas, e são elas que criam reservas ao meu voto na presente eleição. Na verdade, no quadro do semipresidencialismo vigente – em que o Primeiro-Ministro lidera o Executivo em clara minoria, suportado numa coligação complexa que lhe impõe uma permanente negociação com os restantes órgãos de soberania – Marcelo Rebelo de Sousa optou por anular o seu papel de garante em situações críticas, como nos casos de Pedrógão, Tancos, na recondução da Procuradora Geral da República, na indigitação de Centeno para o Banco de Portugal ou, mais recentemente, no caso do SEF, sem que isso seja compreensível no plano do que são as responsabilidades presidenciais. Na sua catedrática inteligência, Marcelo Rebelo de Sousa, durante a campanha, teve já a oportunidade de nos apresentar explicações criativas para todas as críticas que lhe são movidas, as quais, porém, não tiveram o condão de me convencer. Em 2015, num jantar-conferência, uma das convivas pediu a Marcelo Rebelo de Sousa três razões para lhe entregar o seu voto. À época, o candidato respondeu, de uma forma que todos considerámos divertida, que só lhe daria uma, a qual seria suficiente: ele era a única alternativa decente à direita. Passados cinco anos, o cenário mudou e a existência de mais candidaturas permite ao eleitorado ter mais escolha e ser, por isso, mais exigente.

A maior reserva que tenho em relação ao mandato de Marcelo Rebelo de Sousa prende-se, porém, com algo que não tenho visto discutido na presente campanha eleitoral: a incapacidade que demonstrou em evitar a ascensão dos populismos. O Presidente da República poderia ter escolhido como espaço para a sua reeleição a área política da direita e absorvido o descontentamento. Ao ter-se esvaziado junto de vários setores da direita, ao ter exercido um mandato em que nos momentos críticos diluiu a sua função institucional, Marcelo abriu o espaço para o descontentamento, para um certo sentimento de despeito e para o consequente crescimento de um núcleo eleitor que, sendo minoritário, pode bloquear as soluções à direita, em alternativa à geringonça, empurrando Portugal para um indesejável “centrão”. Tendo escolhido ser o presidente dos afetos, a forma como distribuiu os carinhos no seu mandato deu espaço para a emergência de uma direita emocionada que parece ter abdicado de pensar.

Neste sentido, a candidatura de Tiago Mayan é providencial, pois representa uma alternativa a André Ventura para todos os que não se sentem representados por Marcelo Rebelo de Sousa. Se havia dúvidas em relação à natureza do Chega, elas dissiparam-se nesta campanha presidencial. Se há no programa do Chega propostas políticas com interesse, em matéria económica e fiscal, na educação e na saúde, que facilitariam uma convergência à direita, as prioridades escolhidas por André Ventura, a postura deselegante e agressiva num estilo adolescente de “gatarrão” zangado e, sobretudo, as suas frases de ordem, deveriam ser motivos suficientes para qualquer eleitor assinalar fora-de-jogo ao ponta-de-lança sem necessidade de recurso ao VAR. Aliás, depois de ouvir o candidato defender “ditaduras de pessoas de bem” (seja lá o que isso signifique), exibir fotografias de pessoas em concreto, habitantes de um bairro social, negros, apelidando-os de “bandidagem”, e recusar tratamento médico a imigrantes e refugiados, os quais chamou de “marroquinos”, pergunto-me – e digo-o sem qualquer ponta de ironia – quem é que leva André Ventura a sério. André Ventura diz que quer “mudar o regime”, mas durante toda a campanha eleitoral, não só não explicou nenhuma das boas medidas que tem a espaços no seu programa (dando razão aos que dizem que não só não as conhece, como não acredita nelas, sendo apenas o ator principal de um enredo desenhado por um qualquer Rasputin), como se tem limitado a atacar os mais pobres e os mais frágeis, os que não têm voz para se defender, ciganos, habitantes de bairros sociais, pequenos delinquentes, imigrantes e refugiados, manipulando o ego e o pior que ainda persiste num certo eleitorado de direita, fugindo das grandes questões essenciais que são a causa do nosso atraso, sendo sintomáticos os silêncios em relação a tudo o que são poderes estabelecidos, como se viu na forma como anuiu no saneamento da TAP. Ventura está a tornar-se, ironicamente, no seguro de vida da esquerda que diz combater, pois dá-lhe uma razão para existir (sem ter de dar muito mais explicações), bloqueia a direita, distrai o eleitorado para questões irrelevantes, sendo conivente com os grandes dossiers do Regime.

Termino, como comecei. No próximo dia 24 de Janeiro vou votar no Tiago Mayan Gonçalves. Agradeço a coragem que teve ao candidatar-se, para nos representar e tornar, por esta vez, o voto de muitos mais fácil.