Portugal aderiu à então CEE, hoje União Europeia (UE), em 1986, da qual nunca foi contribuinte líquido, isto é, sempre pagou menos para a UE do que auferiu em transferências. Milhares de milhões de euros, boa parte a fundo perdido, foram e continuam a ser injetados na economia portuguesa pela UE. Portugal possuiu estabilidade política há mais de trinta anos, pois quase todos os governos completaram a sua legislatura de quatro anos. Já experimentámos opções governativas mais à esquerda ou mais à direita. Com mais Estado ou menos Estado. Com mais privatizações ou com mais empresas públicas.  Ora com mais atenção, ora menos, às prestações sociais.

Todas as opiniões são unânimes no sentido, que não há qualquer comparação entre o nosso país, no antes e no depois da integração europeia. De facto, como país com identidade nacional e estabilidade territorial de séculos, Portugal é das nações que menos tem a temer, com caminhos federalistas desde que prudentes, ou até na aceitação de alguma transmissão de soberania para instituições europeias. Qualquer desses “fantasmas” para muitos outros Estados membros, dada a sua história recente, afectam menos Portugal, pois não poriam em causa a coesão identitária nacional. Em teoria, tudo aparentemente positivo, portanto.

Acontece que são recorrentes, notícias no sentido que continuamos a divergir e não a convergir, com a média de desenvolvimento da UE e inclusive a ser ultrapassados em vários índices, pelos países do Leste europeu, admitidos apenas em 2004, ou seja, quase vinte anos após a adesão portuguesa.

Segundo números publicados no Jornal de Negócios do final de Fevereiro, num trabalho de Tiago Varzim, Portugal, em 2000, tinha um Produto Interno Bruto, no caso, o PIB per capita de cerca de 80% da média europeia e em 2018, essa percentagem situava-se em 77%. Ou seja, piorámos.  Ora, vários dos países do Leste, que aderiram apenas no início do Século XXI, viram o seu PIB per capita, subir dos 50% da média europeia quando aderiram, para 75% dessa média em 2018. Estamos a falar de Chipre, Estónia, Letónia, Malta, Eslováquia, Polónia, República Checa e Hungria. Alguns da zona euro, outros não.

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Fonte: Jornal de Negócios

Quem conhece o Portugal actual (mesmo considerando a bancarrota do governo Sócrates) e a realidade presente desses 8 países, pode ficar algo surpreendido com esta diferença no crescimento do PIB per capita, um dos factores de convergência e de coesão. Mas talvez a razão da divergência, não esteja tanto na realidade, mas no modo como é apurada pelas instituições internacionais, a medida do PIB per capita de cada país. Vejamos:

Apesar de ser considerado um importante indicador das condições de vida e do desenvolvimento de cada país, o seu PIB pode aumentar, no mesmo momento em que a maioria dos seus cidadãos fica mais pobre. De facto, o PIB não mede o índice de desigualdade existente em cada sociedade, ou seja, não mede as diferenças na distribuição do rendimento. É a velha cegueira da estatística: Se existe um frango e dois habitantes, para medir o PIB, cada habitante comeu meio frango, quando na realidade um habitante comeu o frango inteiro e outro nada comeu.

O PIB também não leva em conta a qualidade dos bens e serviços produzidos por um país. Assim, se vendermos a estadia num quarto de hotel com instalação e serviço de qualidade, pelo mesmo preço que outro país o vende sem qualidade, o valor para o PIB é o mesmo, pois só importará simplesmente o preço. Neste aspecto da qualidade, Portugal fica a perder no apuramento do PIB, pois oferece serviços – e não só na hotelaria, claro – de melhor qualidade, que os oito países atrás referidos.

Para o PIB, também não contam as transações não declaradas ou a economia informal. Ora, apesar da economia paralela ser ainda em Portugal um problema grave, também não é maior que nos mesmos 8 países referidos. Em índice de corrupção, a maioria destes 8 países, não andarão muito longe das ancestrais e continuadas praticas portuguesas.

Finalmente o PIB, não leva em consideração os danos ambientais. Um país que capture e venda todo o peixe que consegue e esgote a sustentabilidade dos recursos, não é penalizado em termos de PIB, face a outro país que tem preocupação ambiental e por isso não afecta a preservação das espécies. Só interessa para o apuramento do PIB, a quantidade que vende, independentemente das consequências.

Um dos problemas do nosso país, que passou rapidamente de bom aluno à bancarrota, não se esgota naturalmente nesta questão do PIB, mas antes no nosso modelo de desenvolvimento, que nunca possuiu uma perspetiva estratégica

O modo como ainda hoje se continua a medir o PIB, é, pois, totalmente incongruente. Basta atentar nas recomendações e directivas regulatórias da UE, nomeadamente em termos ambientais, que conduziriam a que, um país que as cumprisse integralmente – nenhum o faz, mas alguns fazem mais que outros – seria profundamente penalizado na medição do seu PIB.

Não é líquido que Portugal ficasse pior ou melhor na fotografia, se o PIB fosse medido com regras adaptadas às exigências da transparência ou dos compromissos ambientais. Mas pelo menos estaríamos mais perto da verdade, fosse ela qual fosse. Com este modelo de medida do PIB, todos os números apresentados pela UE e OCDE, não possuem credibilidade.

No entanto, um dos problemas do nosso país, que passou rapidamente de bom aluno à bancarrota, não se esgota naturalmente nesta questão do PIB, mas antes no nosso modelo de desenvolvimento, que nunca possuiu uma perspetiva estratégica, antes vogando, ao sabor das conjunturas e do melhor negócio do momento.

É de facto preocupante, que Portugal seja hoje um dos países que mais depende do turismo.

Hoje, o turismo vale 20% das exportações e um valor assustador de 58% das exportações na área dos serviços.

No PIB dos países ditos desenvolvidos, aos quais os portugueses se referem, quando fazem as comparações, que nos são normalmente desvantajosas, o turismo, sendo também massivo, nunca criou o nível de dependência, que está a gerar em Portugal. O turismo conta 6% no PIB italiano, o país com maior património do mundo. Apenas 3,9% na Alemanha. É certo que em Espanha conta 11%. É o nosso vizinho, aliás, o único que nos ultrapassa nesta dependência. Em Portugal, o sector do turismo contribui com 9% do PIB.

É de facto bom ter jardins, onde antes circulavam automóveis. Mas quem vai usufruir desses jardins? Quando no Séc. XIX os lisboetas se passeavam no Passeio Público, onde hoje fica parte da Av. da Liberdade, esses mesmos lisboetas, viviam nas perpendiculares adjacentes. Esses lisboetas já não existem, pois residem na Brandoa, Loures ou Almada.

Não se conhece nenhum país que tenha ficado mais rico, entendida a riqueza no sentido da elevação generalizada do nível de vida da sua população, a vender quartos de hotel, almoços e bugigangas. O turismo de facto, o que mais cria, é emprego. Algum emprego qualificado, é certo, mas a maioria dos empregos é pouco qualificado, mal pago e precário. Nem doutra forma podia ser: corresponde à precaridade da própria actividade que lhe dá origem.

Não está aqui em causa se queremos mais turistas ou não. Cada um terá a sua opinião. O que está em causa é a dependência que se criou dum serviço tão contingente como o turismo. Ainda para mais, turismo massivo, sujeito a todos os alarmes, sejam pandemias – reais ou imaginárias – fake news em redes sociais ou a ocorrência de actos terroristas.

No que se refere ao investimento da iniciativa privada no turismo, pois aí, os governos não devem intervir. Cada empresário investirá onde melhor entende e daí retirará os seus lucros ou os seus prejuízos.

Já é muito questionável, os governos e o poder local, direcionarem as receitas dos impostos, para investimentos significativos no apoio ao turismo, em detrimento de outro tipo de investimento mais estruturante ou socialmente mais premente.

A linha circular do metro em Lisboa, para já suspensa, ou as “obras de jardinagem e decoração” no centro histórico da capital – o regresso ao Passeio público do Sec. XIX, são iniciativas exclusivamente destinadas ao turismo e aos turistas. É de facto bom ter jardins, onde antes circulavam automóveis. Mas quem vai usufruir desses jardins? A larga maioria dos que trabalham em Lisboa, vive ou foi recentemente expelida para os subúrbios. Quando no Séc. XIX, os lisboetas se passeavam no Passeio Público, onde hoje fica parte da Av. da Liberdade, esses mesmos lisboetas, viviam nas perpendiculares adjacentes à Av. da Liberdade. Esses lisboetas já não existem. pois residem na Brandoa, Loures ou Almada. Falar em devolver a cidade aos seus cidadãos é pura hipocrisia. Não é aos cidadãos, é aos turistas.

Se o objectivo é tornar Lisboa numa Disneylandia, e nisso se vai investir receitas que poderiam ter uma finalidade social mais consequente, pelo menos que então o parque de diversões tenha clientes. O que, hoje, é tudo, menos seguro…