J.M.M., familiarmente conhecido por Xema, é o protagonista de um misterioso caso policial ou, melhor dizendo, judicial. Protagonista?! Melhor seria dizer que é a vítima de uma impiedosa intriga clerical que, no melhor estilo de Dan Brown, revela, segundo Infovaticana, estranhas cumplicidades nas mais altas instâncias do Vaticano.

Este misterioso caso teve o seu início em 2002, quando os pais de Juan C., então com 6 anos, o matricularam no primeiro ano do ensino básico, no colégio Gaztelueta, Bilbau, em que X era professor. Os pais estavam empenhados em que Juan C. tivesse notas brilhantes, mas, devido à sua frágil saúde física e psíquica (começou a tomar ansiolíticos aos 10 anos), os resultados obtidos frustraram as expectativas familiares.

A relação de Juan C. com o professor X foi, desde o início, muito normal. Quando Juan C. foi operado a uma apendicite, X foi, com vários colegas de Juan, visitá-lo ao hospital. Também a família C. era próxima do professor que, por duas vezes, foi convidado a almoçar em sua casa. Como Juan não obteve os resultados ambicionados pelos seus pais, estes, em Junho de 2010, transferiram-no para uma escola mais sensível às suas exigências, que Juan C. começou a frequentar no ano lectivo seguinte.

Por razão desta mudança, Juan C. foi vítima de ciberbullying por alguns dos seus antigos colegas, sem que o professor X estivesse a par desta situação. Os pais C. denunciaram às autoridades oito alunos de Gaztelueta, mas o Tribunal de Menores não deu importância ao caso, pois limitou-se a exigir que dois dos responsáveis pelo ciberbullying redigissem uma redacção sobre o assédio. Sobre o comportamento do professor X, o Tribunal não encontrou nada digno de censura, nem de menção. Os pais destes oito alunos quiseram que os seus filhos fossem, pessoalmente, pedir desculpas ao Juan e à sua família que, no entanto, recusou esta proposta, pois interessava-lhe alimentar este ‘caso’, com a cumplicidade de alguma comunicação social.

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Este incidente parecia ultrapassado quando, em Outubro de 2011, os pais C. decidiram denunciar ao Departamento de Educação do País Basco o ciberbullying e mencionaram, pela primeira vez, os alegados abusos do professor X ao seu filho. Estranhamente, fizeram-no apenas mais de um ano depois de ter cessado a relação, meramente académica, de X com o seu filho Juan, ao deixar este de ser aluno do colégio onde X era professor: porque só o denunciaram em Outubro de 2011, se podiam (e deviam) tê-lo feito em Junho de 2010?!

Gaztelueta e a entidade oficial competente procederam, de imediato, à correspondente investigação, que concluiu pela inconsistência da queixa. Aliás, o comportamento do professor X sempre foi, em termos académicos e morais, irrepreensível: apesar de lidar com muitos jovens, nunca foi objecto de nenhuma denúncia, crítica ou rumor. Como é sabido, os abusadores de menores não o são uma única vez, nem de uma só criança, mas tendem a ser recorrentes na prática deste crime, geralmente com várias vítimas, sobretudo se, como professores, têm acesso a muitos menores sobre os quais exercem autoridade.

Em Novembro de 2011 é aberta uma investigação judicial, que é arquivada em Maio de 2012, sem deduzir nenhuma acusação contra o professor X que, pouco depois decide, por sua livre iniciativa, deixar Gaztelueta e o ensino, ficando desempregado.

Em Dezembro de 2012, um jornal local publica vários artigos que veiculam as acusações dos pais C., a que El Mundo, de âmbito nacional, dá ampla cobertura nas edições de 30 e 31 de Dezembro. O ‘caso’ ganha notoriedade mediática.

Em Janeiro de 2013, espicaçado pelos media, o Procurador-Geral do País Basco decide abrir um inquérito sobre o ‘caso’ do professor X, que arquiva em Setembro desse ano, por falta de provas.

Para dar projecção internacional ao ‘caso’, Letícia de la Hoz, advogada da família C., teve a ideia – assim declarou, a 6-10-2015, a La Nueva España – de escrever ao Santo Padre: “Pareceu-nos que uma carta ao Papa seria um bom meio de denúncia”. Francisco decidiu então que se investigasse canonicamente o professor X, à margem das leis eclesiásticas então vigentes, que só admitiam essa possibilidade em relação a sacerdotes e religiosos.

Para esse efeito, o Padre Silvério Nieto foi nomeado instrutor da causa. Segundo Religión Digital – a página web que serviu de porta-voz à família C. – este padre é conhecido pelo seu rigor e inflexibilidade em relação à pedofilia eclesiástica em Espanha. Esse diário digital publicou, a 14 de Outubro de 2015, a seguinte notícia: “Silvério Nieto submeteu-os a um exaustivo interrogatório sobre o caso. Tanto ao pai como ao filho. Um interrogatório de duas horas e meia. A fundo e sem piedade.” O Padre Silvério Nieto concluiu a inocência do professor X. Mais ainda, a Congregação para a Doutrina da Fé, que é a máxima instância vaticana competente nesta matéria, enviou uma carta, em Outubro de 2015, assinada pelo então Perfeito, Cardeal Luis F. Ladaria, SJ, ao diretor do colégio Gaztelueta, dando conta das conclusões da investigação e exigindo que fosse restabelecido o bom nome e reputação do professor X que, como se disse, já tinha deixado essa escola, bem como o ensino.

Entretanto, em Junho de 2015, Juan C., já adulto, denunciou ante o Tribunal Getxo o professor X, “por agressão, abusos sexuais e atentado contra a integridade moral.” Em Novembro de 2018, o Tribunal Provincial da Biscaia condenou o professor X, a 11 anos de prisão, pelo crime de abuso sexual de menor. A sentença foi ditada pelo juiz Alfonso González Guija, que já se sentou várias vezes no banco dos réus, por denúncias das suas ex-mulheres, e foi condenado por conduzir embriagado. Um facto surpreendente: a condenação do professor X foi quase quatro vezes superior aos três anos requeridos pelo Ministério Público e, até, aos dez anos pedidos pela família C.!

Não foi esta a única singularidade deste ‘caso’. Para a condenação do professor X, foi determinante o parecer do psiquiatra Iñaki Viar, que tinha sido sentenciado a 20 anos de prisão, por pertencer à organização terrorista ETA e, como tal, responsável pela deflagração de uma bomba, pena que não cumpriu por ter sido, entretanto, amnistiado. Este ex-membro de uma organização criminosa, considerou Juan C. fidedigno, credibilizando as suas declarações incriminatórias do professor X. Contudo, ficou provado que o jovem Juan C. sofria de alucinações e que dificilmente percebia e respondia às perguntas do Ministério Público: muitas das suas respostas, por ele balbuciadas, eram depois completadas pela sua advogada. Por sua vez, o inspector da Secretaria da Educação do País Basco, encarregado de verificar o lugar onde teriam ocorrido os alegados abusos, foi categórico: dada a exposição pública do gabinete do professor X e a sua exiguidade, era impossível que aí tivessem ocorrido os factos alegados por Juan C.

Em Janeiro de 2019, o professor X recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, que, em sentença definitiva de Setembro de 2020, reduziu a pena de prisão de 11 para apenas 2 anos. Como o Supremo não é competente para apreciar as ‘provas’ em que a primeira instância se baseou, para a condenação do professor X, não o podia absolver.

Quando o ‘caso’ do professor X parecia ter chegado ao seu ‘happy end’, eis senão quando a Santa Sé deu o dito por não dito e, em 2022, abriu, por pressão da família C., um novo inquérito canónico contra o professor X!! Recorde-se que o processo, tanto civil como eclesial, tinha chegado já à sua conclusão, pela sentença definitiva do Supremo Tribunal de Justiça espanhol e pela conclusão absolutória do Cardeal Perfeito da Doutrina da Fé, a máxima autoridade eclesiástica nestas questões e, tradicionalmente, terceiro na hierarquia do Vaticano, logo depois do Papa e do Cardeal Secretário de Estado. De mais esta espantosa irregularidade judicial se dará conta numa próxima crónica.