Antes deste confronto em Almada tínhamos tido há dias «gangs rivais de Vialonga e Santa Iria» envolvidos em «agressões violentas nas festas da Póvoa de Santa Iria»
E antes um acerto de contas no Seixal. E antes…
Estas notícias obedecem invariavelmente a um guião: pessoas nunca identificadas que integram grupos rivais (não se sabe ao certo porque são rivais mas também ninguém pergunta) ‘envolvem-se em confrontos’ ou, nos casos mais graves, ‘acertam contas’.
Invariavelmente também, as estatísticas dizem-nos que somos um país seguro. E somos. Como é isto possível?
É o que se pode definir como paradoxo sueco: a Suécia, segundo as estatísticas, é um dos países mais seguros do mundo. Contudo a questão da violência e dos gangs preocupa de tal forma os suecos que o assunto central das eleições que têm hoje lugar não é a adesão à NATO nem a energia nuclear mas sim os tiroteios e a violência. Como é isto possível num dos países mais seguros do mundo, símbolo da liberdade, da justiça social e da tolerância?
Em primeiro lugar há que esclarecer que os suecos não estão loucos nem histéricos, tratamento automaticamente reservado a quem questiona as verdades oficiais nesta matéria. Em 2021, registaram-se na Suécia 335 tiroteios de que resultaram 46 mortos e 112 feridos. Valores que não destoam dos registados nos anos anteriores e que muito provavelmente serão ultrapassados em 2022, ano em que já se contabilizam quarenta mortos nestes confrontos.
Os mortos e feridos nestes confrontos são maioritariamente imigrantes ou descendentes de imigrantes e muito jovens: 23 anos é a sua idade média, o que quer dizer que alguns são pouco mais que crianças como aconteceu no ataque que teve lugar há semanas num centro comercial em Malmö e em que o homicida tinha 15 anos. Contudo, estes números, que dão conta duma realidade muito violenta em alguns subúrbios de Estocolmo ou em Malmö, não comprometem as estatísticas da Suécia como um dos países mais seguros do mundo. E não comprometem porque a insegurança gerada por esta criminalidade dos “acertos de contas” e das “rivalidades” é como a inflação: não se faz sentir de igual modo por toda a população.
São os fisicamente mais frágeis, os que usam transportes públicos, os que frequentam espaços de livre acesso, os que vivem em zonas periféricas quem a sente mais. A isto acresce que o estado que tanto promove, defende e impõe políticas de igualdade nas mais diversas áreas se exime a si mesmo de assegurar o direito à segurança de uma forma mais ou menos igual a todos os seus cidadãos. Aceitar como banal que alguém que vive nas periferias urbanas de Lisboa ou Porto não pode andar em segurança na rua ou ir à noite à estação de comboios é tão injusto e a meus olhos inaceitável como considerar que os hospitais do SNS podem prestar piores cuidados de saúde a quem vem da Amadora ou da Quinta do Mocho.
Provavelmente as próximas estatísticas sobre a segurança em Portugal dirão que somos um país ainda mais seguro mas é urgente que procuremos ver a realidade que os números escondem. Ou vamos ficar à espera que num outro centro comercial qualquer, numa rixa entre grupos rivais que se envolveram por razões que nunca entendemos, uma bala acerte fatalmente numa criança? Ou num trabalhador duma loja? Ou em alguém que por ali passava?