O país de papelão. Para tudo temos mil procedimentos. Requisitos. Normas. Programas. Licenciamentos. Aprovações.

Um linguarejar estranho acompanha este país outrora de papelão e agora do balcão virtual: vive-se em constante dinamização, a implementar objectivos e na prossecução do programa Europa qualquer coisa, da Agenda de não sei quando, Portugal vinte e não sei quantos…

Até que um facto diverso e inesperado rompe este cenário virtual de perfeição e progresso. O ser um facto diverso e inesperado é fundamental porque pouco a pouco fomo-nos habituando ao que pouco antes declarávamos inaceitável: as urgências hospitalares fechadas já são uma rotina, as escolas sem professores tornaram-se uma fatalidade.  Tudo, claro, sempre envolto na roupagem da informação on line, da digitalização, do reencaminhamento… (Ontem, um homem morreu numa estação de serviço no Algarve enquanto a sua família tentava contactar o INEM. Durante 45 minutos a chamada não foi foi atendida. Ou, como agora soe dizer-se, foi reencaminhada. O reencaminhamento não leva a lado algum mas mantém-nos na ilusão de um possível atendimento.)

Quando Fernando Ferreira, Fábio Loureiro, Shergili Farjiani, Rodolf Lohrmann e Mark Cameron Roscaleer saltaram os muros da prisão de Vale de Judeus deixaram-nos a olhar para uma prisão sem director e que tem há largo tempo o chefe dos guardas de baixa; onde as torres de vigia não foram substituídas e a cerca electrificada não pode ser ligada à corrente. Onde um único guarda controlava até à passada semana mais de 150 câmaras de videovigilância e ninguém achou relevante substituir a iluminação exterior que fora destruída, deixando cegas algumas dessas mesma câmaras.

Há em tudo isto uma espécie de contínuo estado de falta que choca com o contínuo e desmesurado crescimento do Estado: em meados de 2023, o número de funcionário públicos atingiu os 745.707. No mesmo ano, 2023, a receita fiscal chegou aos 65,7 mil milhões de euros. Para onde vai o dinheiro dos nossos impostos? E o que fazem e onde estão os mais de 700 mil funcionários da máquina estatal? Faltam médicos. Professores. Oficiais de justiça. Enfermeiros. Juízes… E mesmo quando não faltam, como até pode ser o caso dos guardas prisionais, não estão onde é suposto. Ou nós, na nossa ingenuidade, acreditamos que é suposto estarem.

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Este Portugal de impostos máximos, serviços mínimos e funcionários em crescendo mas que estão sempre em falta ficou escancarado em Vale de Judeus.

A parábola dos autoclismos. A fazer fé no portal que regista os contratos públicos, a maior despesa não corrente efectuada este ano na prisão de Vale de Judeus versou os fluxómetros, vulgo autoclismos. A saber, 123.953,60 euros para “Substituição dos Fluxómetros das Celas”. O que, se tivermos em conta o número de presos e de celas naquele estabelecimentos, nem é um valor excepcionalmente alto, pelo menos se o termo de comparação forem os 14.500 euros que, no ano da graça de 2022, o contribuinte português despendeu em “material variado e fluxometros anti vândalo, para reabilitar as únicas 3 celas especiais disciplinares, vandalizadas por um recluso” num estabelecimento prisional de Lisboa. Como é que “um recluso” destrói “as únicas 3 celas especiais disciplinares” duma prisão e respectivos fluxómetros é algo que escapa ao meu entendimento.

Mas voltemos às intervenções em Vale de Judeus. Em 2021 foi adjudicada a remodelação do quadro eléctrico daquela prisão. Uma obra no valor de 36 mil euros. Nessa data não se ponderou transformar a cerca eléctrica de objecto ornamental em cerca eléctrica propriamente dita? Primeiro dissemos que construir prisões não dava votos.  Tratar da sua manutenção ainda menos.