Vai chata e comprida a crise no Sporting, como a espada do D. Afonso Henriques.
Mas parece que era inevitável.
Como nos casos BPN, BPP, BES/NOVO BANCO/PT, no processo Casa Pia ou no caso do assalto ao poder de José Sócrates, ninguém é culpado.
Ninguém elegeu ou se absteve.
Ninguém viu.
Ninguém sabe.
E contudo, o “sistema” parece que funciona.
Há candidatos.
Há eleições.
Há órgãos de fiscalização.
E tudo.
Mas sistema está totalmente pervertido e só aparentemente funciona.
Desde logo, o problema base e transversal de Portugal é evidentemente sociológico: o índice geral de literacia em Portugal é absolutamente problemático.
Depois, a pirâmide virtuosa está totalmente invertida.
Princípios, valores e regras (por ex., educação) estão completamente em baixo.
O poder brutal, puro e duro do dinheiro está completamente em cima e parece hoje que definitivamente vale tudo ou quase tudo.
A crise do Sporting não é desportiva.
Não é a concorrência salutar entre duas visões/ambições válidas para o clube, ao serviço dos associados e do desporto em geral.
A crise do Sporting é uma luta diferente.
Em que sobreleva uma escondida, ampla, transversal e encavalitada teia de interesses, sempre com (demasiado) dinheiro à cabeça.
Face a todos esses interesses em jogo é rigorosa e tipicamente disso que fala a operação de violência friamente induzida, mobilizada e organizada parece que internamente em Alcochete contra os jogadores e equipa técnica.
Como nos casos BPN, BPP, BES/NOVO BANCO/PT, no processo Casa Pia ou na tentativa do assalto ao poder de José Sócrates, também no Sporting a solução eficiente acabará por ser judiciária.
Mas é um erro a validação definitiva e inevitável desse cenário de judicialização.
Porque um país, se o quer ser a sério, tem de ser feito por pessoas livres e adultas, institucionalmente rico, criativo e independente.
Não pode ser um doente acamado em permanência e gerido pelas intervenções sistemáticas e sem alternativa útil dos poderes policial e judicial, com remessas regulares de inquilinos para o sistema prisional.
Tem de ter bancos bons com equipas de gestão sérias, honestas e preparadas, tem de ter governantes sérios, honestos e competentes eleitos em actos eleitorais abertos, amplos, participados em grau máximo e escrutinados, tem de ter ao serviço da população associações desportivas decentes, transparentes e competitivas que não se trasvestem em casinos, máquinas de reciclar dinheiro fácil, puras fachadas para negócios mais ou menos escuros ou oportunidades mediáticas.
Portugal tem mesmo de mudar se o quiser ser.
O resto é a barracal “guerra” de palavras e insultos que escondem um vazio deprimente e essencial.
A política, a banca e o futebol, infelizmente, podem ser uma ponta do icebergue.
Miguel Alvim é advogado