Para os dirigentes do CDS, os resultados eleitorais do ano passado continuam a ser um enigma. Não os esperavam, apesar das sondagens, e ainda não os perceberam, apesar de todos os debates. Como é hábito da classe política portuguesa, só lhes ocorre, para dar conta do colapso, questões de procedimento e de comunicação (não se souberam explicar, ou os seus eleitores não os compreenderam, etc.).

De facto, o problema da direcção do CDS foi ter tentado, nos últimos cinco anos, fazer tudo bem – de acordo com o que, no regime, se achava bem. Em 2015, quando a geringonça tomou o poder, a oligarquia recomendou aos antigos partidos do governo que se distanciassem de Passos Coelho e “virassem a página”, e o CDS fez isso com muita aplicação. Em 2017, o sucesso autárquico em Lisboa e a saída de Passos levaram-no por outro caminho: afinal, ia ser o grande partido da direita, e o mais agressivo interlocutor de António Costa.

Tudo, de acordo com a sabedoria média do regime, estava certo. Tal como estavam certas as passadeiras pintadas em arco-íris em Arroios, para provar que era moderno, ou o apoio parlamentar a Mário Nogueira, para demonstrar que era “social”. O que não estava talvez certo era a soma de tudo isso: o oportunismo era demasiado evidente. E até agora, nada mudou: os candidatos continuam a tentar ser tudo, como quem pudesse comprar todos os bilhetes para garantir que ganha a lotaria: todos falam de “direita”, mas todos querem “dialogar” com o PS; todos se propõem ser muito definidos, mas todos desejam integrar as mais variadas correntes; etc.

Nada disto é novo, e talvez não seja evitável. O CDS foi sempre assim desde o primeiro dia. Que podia fazer o mais pequeno, o mais recente e o mais perseguido dos grandes partidos do regime, a não ser tentar agarrar-se a tudo o que lhe parecia flutuar? Logo em 1976, Jorge Gaspar e Nuno Vitorino, na sua análise das eleições para a Assembleia Constituinte de 1975, diagnosticaram-lhe um problema: ao contrário do PCP em relação ao PS, a votação do CDS funcionava num sistema de vasos comunicantes com o PSD. Nenhum partido conheceu tantos altos e baixos. Já muitas vezes pareceu que estava para acabar (o que deve animar os militantes de hoje). Por isso, o CDS experimentou todas as estratégias e ideologias: governou com o PS e com o PSD, foi democrata cristão com Adriano Moreira e liberal com Lucas Pires, europeísta com Freitas do Amaral e nacionalista com Manuel Monteiro, etc. As suas convicções consistiram, frequentemente, numa tentativa de adivinhar para onde soprava o vento.

É provável que a relevância do CDS passe sobretudo pela possibilidade de uma maioria de direita. Não depende, por essa razão, só de si próprio, uma vez que é o PSD que tem sido o motor dessas maiorias. No entanto, não é isso que o parece inquietar. O CDS fixou-se em André Ventura como se a concorrência do Chega tivesse sido a razão do seu descalabro eleitoral. Em Outubro, porém, o CDS perdeu 13 deputados, e o Chega só elegeu um: não foi o Chega que herdou os deputados do CDS. Mas o CDS fala de Ventura como se tivesse sido assim. É talvez a sua maneira de racionalizar o que lhe aconteceu.

Ao tomar o Chega como referência, para imitar ou para se demarcar, o CDS corre um risco, que é o de fazer de Ventura o líder de facto do CDS, e parecer finalmente irrelevante e incompreensível. Por isso, antes de mais, o CDS precisa de um líder que sossegue o partido. João Almeida representa a continuidade e não conseguirá, por essa razão, dissipar o presente nervosismo. Francisco Rodrigues dos Santos, através da renovação do pessoal dirigente (é fundamentalmente isso, aliás, que está em causa), parece o mais capaz de fazer esquecer Ventura e dar ao CDS tempo para respirar.

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