Muita gente se queixa do povo. Mas o problema é o Evaristo. Sim, o Evaristo Tens-Cá-Disto do filme O Pátio das Cantigas.
Como se sabe, trata-se da história de um bairro popular de Lisboa onde todos viviam juntos, trabalhando, namorando, bebendo, galhofando, bailando e rindo. Depois havia o Evaristo, o comerciante que prosperava à custa e à parte da pequena comunidade. Egoísta, tacanho e pedante (‘ia a àguas’ para o Cartaxo, não para Vichy, Wiesbaden ou sequer a Curia), desdenhava o bairro em que vivia, o qual por sua vez também o desprezava e gozava.
A genial metáfora social portuguesa filmada por António Lopes Ribeiro na década de 1940, conserva impressionante actualidade.
Evaristo (António Silva) continua a representar boa parte da nossa classe negociante, insegura, filistina e essencialmente extractiva, mais do que empreendedora. Uma gente para a qual a política se resume à questão fiscal ou seja ao próprio bolso, odiando congenitamente o Estado, que encara como simples ‘cobrador de impostos’ e abjurando até a soberania nacional que o mesmo representa. Sim, o Evaristo actual é decididamente europeísta.
E Narciso (Vasco Santana) ainda hoje encarna, de certo modo, o povo aldrabado na balança da mercearia social, que se vai resignando, alienando (principalmente com o futebol) ou troçando por puro escapismo. Mas apesar de desencaminhado por maus hábitos, Narciso mostra ter coração e coragem bastante para regenerar-se, seguindo a via da rectidão quando lhe mostrem o caminho. Narciso é, no fundo, um Sancho Pança luso à espera do seu Dom Quixote.
Falta porém no filme esse Dom Quixote. Tal como nos falta também agora em Portugal um Dom Quixote. Que saiba sonhar, se guie mais pelas estrelas do que pela berma do caminho e consiga arrastar o fiel Sancho Pança português para novas oportunidades e destinos inesperados.