No último mês, a guerra na Ucrânia tem levado toda a Europa a mergulhar numa enorme onda solidária, desde entidades estatais, empresas, até ao comum cidadão que, de forma organizada ou independente, se tem movido até às fronteiras do conflito para resgatar aqueles cujo futuro tem estado assente sob um sentimento constante de medo e incerteza.
Relativamente àquela que está a ser a receção contínua dos milhares de refugiados ucranianos em Portugal, quero com este artigo chamar à atenção para os perigos e riscos desta “onda solidária” que pode muito bem vir a tornar-se mais tarde numa “maré vaza”.
Hoje, mais do que nunca, somos bombardeados com um volume de informação muito superior àquele com que conseguimos lidar. O mediatismo gerado sobre o apoio à “causa do dia” deve ser gerido com muito cuidado e humanidade. A verdade é que, quer queiramos quer não, estamos constantemente “ligados à ficha”, inconscientemente condicionados pela quantidade de informação que nos chega pelos meios de comunicação, que nos últimos tempos nos têm garantido uma “guerra em direto”, uma guerra comentada e analisada ao minuto. Já para não falar das constantes mensagens de apoio, de vídeos, fotografias – verdadeiras ou falsas – que encontramos nas redes sociais.
Em resposta a esta torrente de informação, há um sentimento que desperta em nós. Um sentimento imediato de compaixão, urgência em tomar uma posição e fazermo-nos à estrada que, com tudo o que tem de louvável, traz consigo perigos e riscos associados, que devem ser geridos a longo prazo e não fundados meramente no calor do momento.
Em conversa com Rui Marques, fundador da Plataforma de Apoio a Refugiados em Portugal, ficou claro aquilo que tem sido o standard de acolhimento às famílias ucranianas que chegam a Portugal. Hoje já chegam mais refugiados ucranianos a Portugal do que no conjunto dos últimos sete anos, o que prova, não só no que toca à solidariedade coletiva, mas também do ponto de vista logístico e operacional, que é possível, e razão de muito orgulho para todos os portugueses, acolher. Citando Rui Marques: “Quando estamos disponíveis, que seja para uma maratona e não para uma corrida de 100 metros “.
O próprio reconhece que este êxodo, concentrado nos países vizinhos da Ucrânia, deita por terra a tese anteriormente defendida por países como a República Checa, Polónia e Hungria face aos refugiados que têm entrado na Europa nos últimos anos. A atual generosidade europeia a que assistimos e o movimento que se tem criado para acolher com a maior eficácia todos aqueles que hoje nos pedem asilo mostra que ela não pode caber apenas a um ou dois países, como foi o caso da Grécia e Turquia, na chegada de refugiados do Médio Oriente e Norte de África, a quem coube a total responsabilidade de acolhimento.
Torna-se claro que, mais do que nunca, a receção de refugiados nos nossos países deve basear-se na necessidade humana de refúgio, e não na cor da pele, religião ou origem.
Quanto à solidariedade a que assistimos hoje, é fundamental que esta tenha princípios sustentáveis, devendo ser interiormente preparada, garantindo mais tarde um bom enquadramento institucional dos que chegam, dando como exemplo a integração das crianças nas nossas escolas, como também uma expectativa realista relativamente à habitação que necessitarão, porque, se assim não for, corremos o perigo de defraudar as nossas expetativas e as daqueles que acolhemos.
Muitas vezes, a ideia romantizada sobre quem chega não corresponde à realidade. Estas famílias trazem muitas vezes consigo informações que não são reais face ao que as espera em Portugal. Imaginamos que a comunicação não será um impedimento, mas na verdade tem sido uma enorme barreira. No fundo, é importante perceber a necessidade de um amadurecimento prévio daquele que deve ser um ato de total generosidade e gratuidade, evitando impulsos mediáticos.
Devemos estar conscientes de que o fator de saturação da opinião pública face à chegada de refugiados ucranianos também nos afeta. Infelizmente, tal como com os refugiados sírios, para não falar da mais recente situação no Afeganistão, também os ucranianos serão vítimas, a médio prazo, do inevitável fenómeno de desmobilização civil e institucional quanto à sua situação precária e quanto ao atual estado de guerra.
Apesar de ser um conflito em solo europeu, uma notícia não dura para sempre, o tema dos refugiados ucranianos não durará para sempre. E depois de a guerra terminar, quando os meios de comunicação social abandonarem as fronteiras, estas pessoas ainda cá estarão: desamparadas, numa tentativa constante de integração, desejando fazer parte do sonho europeu, que a longo prazo caberá a cada um de nós garantir.
Apelo a todos aqueles que têm mergulhado nesta onda solidária, que a sua vontade em apoiar os que mais precisam se mantenha forte, constante e organizada, e que juntos possamos mostrar do que é a feita a solidariedade portuguesa.
Pedro Rocha e Mello é licenciado em Arte Multimédia pela Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, tendo terminado a sua formação no Reino Unido. Nos últimos anos tem trabalhado como Ilustrador e Animador Digital independente para vários sectores da indústria criativa, como estúdios e agências, editoras e consultoras.
O Observador associa-se ao Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial, para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. O artigo representa a opinião pessoal do autor, enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.