Em 1982, Portugal estava prestes a embarcar numa aventura literária épica com o lançamento da coleção “Uma Aventura” de Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada. Coleção essa que se viria a tornar numa das, senão a maior coleção infanto-juvenil alguma vez feita em Portugal.

Há umas semanas atrás, tive a oportunidade de conversar com uma das autoras, Ana Maria Magalhães, não só sobre o sucesso, mas também sobre o que dá a esta coleção a sua longevidade. Em conversa, a autora revela aquilo que mais diferencia os livros da coleção lançados hoje dos que foram lançados há 40 anos atrás.

Segundo a autora, as histórias precisam ser mais rápidas do que eram antigamente, devido à aceleração da vida tanto das crianças quanto dos adultos. Também menciona a questão da linguagem, pois muitas palavras caíram em desuso e é preciso ter isso em consideração para não afastar os leitores. Quanto aos enredos, considera que estes não sofreram grandes alterações, pois os sentimentos básicos, como a curiosidade, o amor, a raiva, a ambição por poder, permanecem os mesmos desde o neolítico. Afirma que é como num romance de amor, onde os sentimentos essenciais não mudam, nem com o passar dos séculos. A chave é a maneira de contar e compor a história, bem como as relações entre as personagens.

Ao escrever os seus livros, Ana Maria assume que tem que haver obrigatoriamente um mistério, uma coisa que não se percebe e se quer desvendar. Um momento de perigo em que se tem uma emoção forte, mas que sabemos à partida, sendo um livro de aventuras, que acabará tudo bem. Pois se assim não fosse, como considera a autora, seria uma tragédia.

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Pedi também a Ana que me desse pistas e me guiasse no seu processo criativo. Saber como pesquisa e como faz ajustes, para manter as histórias apelativas para os jovens de cada geração.

O ideal é conviver com jovens. A pesquisa em si deve ser feita ao vivo. Depois é começar a história: «Numa aventura, é regra de ouro começar a história com um momento que seja imediatamente identificável pelo leitor, em que percebe e consegue imediatamente imaginar a cena para ficar preso ao livro, e depois, se gostar, continua a ler. Eu tenho muitos leitores que gostam dos livros mais recentes, mas não leem os primeiros porque não há telemóveis, computadores, internet. Enquanto que outros leitores acham a sua graça. Conseguem catapultar-se para uma outra época e perceber que as pessoas têm que se comunicar por sinais de luzes, por papelinhos e por bilhetes misteriosos, porque é de uma outra época que falamos.»

Concorda que a revolução tecnológica é sem dúvida um fenómeno que cada vez mais afasta os jovens da leitura convencional. A mesma sabe que existirão sempre jovens que gostarão de ler e que vão sempre ler, contudo, sabe que a percentagem atual de leitores espontâneos é mínima comparativamente ao que já foi, e que na atual realidade escolar, numa turma de 30 alunos, se um deles for leitor espontâneo, já é uma sorte.

Afirma que com os jovens não leitores, é preciso promover a leitura entre a família, se possível, e considera que essa promoção é ainda mais eficaz na escola.

«A única maneira de promover é proporcionar a leitura de livros que lhes interessem, que vão ao encontro dos jovens e daquilo que eles são, porque os seus livros e todos os outros que existem no mercado, e são muitos, para alguns leitores são fantásticos, para outros são banais, para outros são chatíssimos. E, portanto, é preciso acertar. Se formos impingir livros de que os alunos não gostam e que acham muito maçadores, estamos a fazer o que eu chamo uma ‘vacina contra a leitura’. Há áreas em que a pessoa pode dizer ‘pronto, já aprendi o essencial, já esqueci tudo e não faz mal’. Com a literatura é uma pena que isso aconteça. Porque é algo que toca o enriquecimento interior, um enriquecimento extraordinário do espírito. Um professor de português, na minha opinião, tem a obrigação de deixar atrás de si muitos leitores que não existiriam se ele não tivesse trabalhado.»

Terminando a nossa conversa, perguntei à autora que conselho teria para os jovens que querem dar começo a uma carreira dedicada ao género infantojuvenil em Portugal.

«Têm que conhecer crianças. Escrever para crianças sem se ter contacto com elas e sem ter conhecimento de fundo não serve de nada e acaba por não se escrever nada de jeito. Têm de inventar as suas próprias histórias, e sobretudo, se estão a escrever para crianças, considerem o vosso público. Nós tivemos três editoras que recusaram o nosso primeiro livro. É importante lembrar que há muitas editoras e muitos projetos desta natureza. Não desistam à primeira!»

Pedro Rocha e Mello é licenciado em Arte Multimédia pela Faculdades de Belas-Ar­tes da Universidade de Lisboa, tendo terminado a sua formação em Animação na Universidade Solent, em Southampton (Reino Unido). Atualmente é trabalhador independente, com diversos clientes nacionais e internacionais, na área da ilustração e animação digital.

O Observador associa-se aos Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. O artigo representa, portanto, a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.