O tempo vai passando e as notícias sobre as relações aparentemente promíscuas entre cargos públicos e negócios privados, bem como acerca de abusos de poder, continuam a surgir a cada passo. Infelizmente atravessam toda a classe política. Já nem nos aflige saber que o actual primeiro-ministro era um dos homens de confiança daquele que tudo leva a crer que é um dos grandes corruptos da nossa história recente. Ou ler que no passado tivemos um Presidente da República bafejado pela sorte na compra e venda de acções da SLN.
As histórias são tantas, tão variadas e criativas que nos habituámos a conviver com este estado de coisas, como se de algo normal se tratasse. E o pior é que a falta de explicação inequívoca das diversas suspeitas que vêm a público, nos levam a colocar no mesmo saco os que de facto lá merecem estar e outros que nada fizeram de errado.
Quando eu era nova contavam-se muitas histórias verdadeiras sobre comportamentos de cidadãos que, ao serem chamados para cargos públicos, se desvinculavam, com prejuízo próprio, de investimentos ou posições que detinham para que em momento algum pudesse haver algum aproveitamento pessoal na sua nova situação. Tenho o privilégio de ter casos na família que ilustram esta postura honrada.
Hoje em dia infelizmente as histórias que se contam são em sentido contrário e por isso paga o justo pelo pecador e todos dizemos que a política “cheira mal”.
Como é possível chegarmos ao ponto de haver quem diga sem corar que faz sentido a Santa Casa da Misericórdia entrar no capital do Montepio? Por estas e por outras, veja-se o caso BES ou o Banif, também se diz que a Banca “cheira mal”.
Olhamos também para a Educação, e não estamos melhor: políticos com diplomas obtidos na secretaria em vez de ser pelo trabalho, estudo e avaliação dos resultados; professores despedidos porque a esquerda cortou os apoios às escolas que funcionavam bem e davam a resposta adequada à sua missão (não será corrupção mas arbitrariedade e descriminação, ou abuso de poder, o que também não abona a favor do sector); alunos a quem é recusado o cheque dentista porque estão no ensino privado (de novo a descriminação no seu melhor); conteúdos do programa escolar que servem apenas para divulgação de ideologias ao serviço de certos lobbies. Tenho pena mas a educação “cheira muito mal”.
E a protecção civil, co-responsável pelo drama por que passou o nosso país este Verão? Tinha à frente da ANPC alguém que foi nomeado apesar dos pareceres negativos e que segundo se diz (mais uma vez fica tudo no ar) foi escolhido porque era próximo do primeiro-ministro. Esse responsável, perante os acontecimentos dramáticos de Junho continuou agarrado ao lugar e só se demitiu na sequência da divulgação do relatório da comissão técnica independente. Não há dúvida que a protecção civil “cheira mal”.
E a saúde, a defesa…
Não estamos com problemas de olfacto. Estamos sim com um problema de apatia, conformismo ou desânimo, e nada parece valer a pena apesar do mau cheiro que se sente. Agrada-nos ouvir as notícias sobre as baixíssimas taxas de juro ou outros indicadores usados para dizer que tudo vai bem, porque mais uma vez ninguém quer ver debaixo do tapete. Ficamos todos na espuma dos acontecimentos, adormecidos e embalados.
Quem já leu textos meus sabe que me vou repetir, mas diz o povo que água mole em pedra dura tanto dá até que fura. O que quero repetir é que há caminhos alternativos. Se não temos um problema de olfacto é porque temos consciência que já cheira mal em todo o lado, e portanto é cada vez mais urgente mudar. E isso faz-se com a nossa exigência, com o nosso envolvimento, com participação cívica de todos. Faz-se com trabalho que pode parecer não servir para nada, mas será a alavanca da mudança. É que já somos muitos a quem “cheira mal”. E se forem cada vez mais a perder o acanhamento de o afirmar, faremos a diferença!
Recentemente fui ver o filme A Hora Mais Negra que mostra como a força do pensamento, do sentido de honra e de verdade de um povo foi motivador para que um homem enfrentasse os poderes políticos e escolhesse o mais difícil – o certo!
É nisto que acredito. Todos, valemos muito mais do que os poderes instalados, os lobbies e os manipuladores. Sejamos atentos, resilientes, confiantes e poderá haver mudança.