1 Objetivos e equívocos
A recente decisão governamental de rever os programas curriculares incluindo também o da Educação para a Cidadania suscitou emoções previsíveis as quais têm a utilidade de suscitar a oportunidade de repensar esta área de formação.
Convém recordar que o principal documento (“Educação para a Cidadania – linhas orientadoras” da Direção Geral de Educação em 2011 e 2012) estabelece os principais objetivos que posteriormente se expressam pelo documento “Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania” aprovado pelo 1º Governo dirgido por António Costa onde se lê:
“Os diferentes domínios da Educação para a Cidadania estão organizados em três grupos com implicações diferenciadas: o primeiro, obrigatório para todos os níveis e ciclos de escolaridade (porque se trata de áreas transversais e longitudinais), o segundo, pelo menos em dois ciclos do ensino básico, o terceiro com aplicação opcional em qualquer ano de escolaridade.
Nº1: Direitos Humanos; Igualdade de Género; Interculturalidade; Desenvolvimento Sustentável; Educação Ambiental; Saúde.
Nº2: Sexualidade; Media; Instiuições e Participação Democrática; Literacia Financeira e Educação para o Consumo; Segurança Rodoviária; Risco
Nº3: Empreendedorismo; Mundo do Trabalho; Segurança, Defesa e Paz; Bem Estar Animal; Voluntariado; Outras.”
Ora é bem evidente a confusão do programa em que se misturam matérias da cidadania, aliás incompetas, com outras abrangendo competências e conhecimentos não menos úteis mas que não correspondem ao conceito de cidadania.
Eis porque se recomenda evitar esta confusão passando a sugerir o que se julga mais importante para o que se deverá vir a designar por disciplinas de “ Cidadania e Temáticas Transversais”.
2 Os temas sobre cidadania
O conceito de cidadania o qual deriva de civitas que, em latim significa cidade, descreve as condições do indivíduo enquanto membro de uma comunidade organizada politicamente e do quadro de valores, princípios, direitos e deveres que devem reger a suas relações na sociedade e face ao Estado em que se integra. Eis porque este conceito se deve radicar nos princípios constitucionais desse Estado pelo que é evidente que o conceito de cidadão é bem diferente se o Estado for totalitário ou teocrático ou se se basear nos princípios da Democracia tal como é, felizmente, o caso de Portugal após 1975. Consequentemente, os temas a ensinar sobre cidadania devem incluir:
- Os príncipios constitucionais da Democracia, a estrutura do Estado nas suas dimensões central, regional e municipal, os modelos de representatividade, os direitos e deveres do cidadão face ao Estado e à democracia, designadamente no respeito pelos princípios da legalidade e da ordem democrática e seus agentes, os principais corpos sociais tais como as comunidades, os partidos políticos e os sindicatos.
- Os princípios sociais decorrentes da Democracia tais como o da igualdade da dignidade social de todos os cidadãos e o do respeito por todos na igualdade face à diversidade da etnia, da cultura, da religião, do género e da orientação sexual de cada cidadão.
- Os deveres de defesa dos valores e sistemas democráticos evitando radicalismos e tendências totalitárias atualmente bem evidentes, os contributos- mas também os riscos- para a Democracia das redes sociais, a educação para a Paz, para a cooperação internacional e sobre os valores e princípios da União Europeia da qual Portugal é membro.
Infelizmente, a generalidade deste temas não é incluída no texto citado ignorando, por exemplo a dimensão internacional e da União Europeia, o que surpreende vivamente, mas ainda mais surreal é, ao longo de todo o texto, nunca surgir o conceito de Democracia!!
3 Os conhecimentos transversais
A educação e a formação dos jovens implica, não só a aquisição de conhecimentos disciplinares que se supõem ministrados nos curricula formais mas também os chamados conhecimentos transversais onde se incluem alguns dos temas misturados confusamente no programa citado mas também outros pelo que se sugerem:
- Sustentabilidade e Ambiente; Saúde; Sexualidade; Nutrição e Dietética; Defesa do Consumidor.
- Segurança e Risco; Gestão Financeira; Mundo Laboral; A Escolha da Profissão; A escolha do Percurso Escolar.
- O Mundo Digital e as Redes Sociais: Oportunidades e Riscos; Literacia Digital; Gestão do Tempo.
Convirá aqui sublinhar a completa ausência no programa em vigor das referências ao mundo digital e às redes sociais. Ou seja, repete-se permanentemente a queixa de que estas são mal usadas e propagam a mentira mas não ajudamos os jovens a corrigir a situação!
4 As competências transversais
Existe ampla bibliografia sobre as competências mais importantes a desenvolver nos jovens e acompanham-se aqui as recomendações da União Europeia de 2019 no domínio do digital “European Commission: Directorate-General for Education, Youth, Sport and Culture, Key competences for lifelong learning, Publications Office, 2019”, pelo que se propôe:
- Capacidade de pesquisar, interpretar, analisar e tratar informação.
- Capacidade de comunicar oralmente e por escrito.
- Capacidade de trabalhar em equipa, colaborar e organizar procesos e atividades.
- Capacidade de liderar, coordenar e de gerir conflitos.
- Capacidade de usar e potenciar meios digitais, designadamente redes sociais, com elevada literacia digital tendo em conta dimensões importantes como a idoneidade, a credibilidade e a segurança.
5 Recomendações
A perspetiva aqui apresentada procura evitar a confusão de conceitos do atual programa e basear-se nos conceitos modernos de Democracia e de conhecimentos e competências exteriores aos currículos formais mas não menos importantes para a formação do jovem estudante.
Os temas relacionados com o digital e as redes sociais surgem em dois domínios pois são cada vez mais importantes para construir e defender a Democracia, para garantir a correta inserção do jovem na sociedade e para o habilitar a desempenhar atividades com elevada valia pessoal e social.
Nota: O desenvolvimento das dimensões digitais referidas neste artigo estão a ser estudadas em projeto de investigação – YOUNGNETSHARE – do Centro de Investigação em Mercados, Organizações e Gestão Industrial — COMEGI –– da Universidade Lusíada mas o conteúdo deste artigo é da exclusiva responsabilidade do seu autor.