Durante décadas, a Rainha de Inglaterra dirigia-se ao Parlamento uma vez por ano e, com um tom de voz neutro, lia um discurso onde enumerava aquelas que seriam as prioridades do governo para a sessão legislativa seguinte. Anunciava se os impostos iam subir ou descer; informava se havia planos para construir uma ponte ou uma autoestrada; revelava as prioridades da política externa, da política de defesa e da política económica. Mas nenhuma daquelas coisas era o que parecia: as revelações, as informações e os anúncios não eram da Rainha, que evidentemente não mandava em nada daquilo. E o discurso também não: Isabel II limitava-se a ler o texto que o governo tinha escrito, frase por frase, palavra por palavra. Nem mesmo o tom de voz neutro era uma opção da Rainha: tratava-se de uma obrigação política, para que possíveis ênfases não pudessem ser interpretadas como sinais de apoio ou censura.
Vou simplificar muito, para efeitos de argumentação: na maior parte das vezes, as responsabilidades de Isabel II podiam ser descritas como “sorrir e acenar”. Aliás, há uma conta de Tik Tok chamada, precisamente, “Queen Elizabeth Waving Her Hand”, cujo conteúdo é fácil de adivinhar. A forma de acenar da Rainha, com a mão na vertical e um suave movimento do pulso, foi objeto de estudo e elogio. Horas e dias deste exercício podiam, claro, ser extenuantes. Por isso, em tempos, um grupo de estudantes australianos ofereceu a Isabel II uma mão falsa que poderia ser usada como sucedâneo de um aceno genuíno em dias de maior cansaço — segundo a princesa Ana, que contou a história, a Rainha adorou o presente.
Sorrir, acenar e ler textos escritos por outros terá sido, talvez, um método suficiente para a Rainha de Inglaterra assegurar a continuidade da coroa. Mas, como se sabe, Isabel II nunca precisou de se candidatar a nada. Por isso, estamos perante um tremendo equívoco quando alguém que precisa de pedir votos aos eleitores replica o comportamento de uma monarca. Convinha, por isso, que, para seu próprio bem, Marta Temido mudasse de estratégia. O PS, que fez alguns testes de rua em Lisboa, está convencidíssimo de que a ex-ministra da Saúde tem uma popularidade imbatível por ter aparecido todos os dias na televisão durante a pandemia. Na cabeça dos socialistas, estando banhada em simpatia e empatia, bastará a Marta Temido fazer uma campanha para as europeias em que sorria, acene e leia alguns slogans pré-fabricados. A candidata do PS quer evitar todos os momentos em que corra o risco de se expor, como os frente-a-frente da Rádio Observador, em que todos os outros partidos aceitaram participar. E tem o plano de cumprir apenas os serviços mínimos, como aparecer em cartazes e, eventualmente, pegar em criancinhas nas ruas. Isso talvez sirva para partir com vantagem nas primeiras sondagens — mas não serve seguramente para chegar com vantagem ao final de uma campanha onde haja escrutínio, perguntas e conflito.
Percebeu-se no primeiro debate das televisões que é uma estratégia que a leva diretamente a um buraco. Rodeada por outros candidatos bem preparados e obrigada a sair do guião que tinha ensaiado, Marta Temido, desastradamente, procurou refúgio na Linha SNS 24 quando já não sabia como sair daquela dificuldade. Se o truque não resultou na primeira vez, será um desastre na segunda e uma tragédia na terceira. Pedro Nuno Santos anunciou à pátria que tem como objetivo ganhar as europeias e, “logo a seguir”, ganhar Portugal. Mas, desta forma, terá até dificuldades em ganhar o Largo do Rato. As eleições são daqui a 22 dias. Tic-tac. Tic-tac.