Na “Carta de Princípios” da sua candidatura, Sampaio da Nóvoa defende a realização de um referendo sobre um futuro Tratado europeu. Acrescenta, de um modo extraordinário, que será “um referendo prévio” à conclusão de um eventual Tratado. O que seria um “referendo prévio”? Como é óbvio, não seria um referendo a um novo Tratado. Teoricamente, poderia ser uma questão genérica como por exemplo, “aceita que Portugal abdique de soberania a favor da União Europeia?” – é o que se deduz da “Carta de Princípios”. Na prática, uma questão dessa natureza resultaria numa discussão impossível. Como poderiam os portugueses decidir sem saber o conteúdo do futuro Tratado? Obviamente, não poderiam. Restaria assim uma questão: “Acha que Portugal deveria continuar na União Europeia?” O processo seria muito semelhante ao que se está a passar no Reino Unido. Sem um novo Tratado para referendar, a questão deverá ser, “Should the UK remain a member state of the EU?” Perdido nos labirintos da sua mente confusa, Sampaio da Nóvoa resolveu, involuntariamente, seguir o exemplo do líder do Partido Conservador. Este candidato de esquerda promete.

Foi uma combinação de fraqueza e de populismo que encaminhou Cameron para o referendo europeu. Agora tem um sarilho muito complicado entre mãos. No próximo ano, a política britânica será completamente dominada pelo referendo europeu, prejudicando certamente a economia do país, no momento em que ela recupera. A candidatura de Sampaio da Nóvoa exibe a mesma mistura. Partiu de uma posição fraca, com um candidato relativamente desconhecido e sem um apoio inequívoco do PS. Por isso, necessita de propostas populistas para conquistar apoios. A proposta do referendo europeu viola o espírito da Constituição portuguesa, criaria um problema desnecessário para o governo da altura, e por um fim constitui um exemplo de como uma proposta populista é contrária aos interesses dos portugueses. Não deixa de ser um feito espantoso para um candidato presidencial.

Sampaio da Nóvoa mostra que entre a democracia direta e a democracia representativa, escolhe a primeira. O facto de uma grande maioria de deputados ter sistematicamente aprovado todos os Tratados europeus, aparentemente, não chega para legitimar a integração europeia. Por isso, no caso de um futuro Tratado, o “Presidente” Sampaio da Nóvoa não se contentaria com um voto parlamentar e exigiria um “referendo prévio”. Do alto do seu consulado em Belém, mas “perto das pessoas”, criaria um sarilho bem complicado para quem estivesse no governo. Se Sampaio da Nóvoa for eleito Presidente, desejo boa sorte a quem estiver a governar Portugal. Bem vai precisar. Imaginem o “Primeiro Ministro” António Costa a regressar de Bruxelas de uma reunião com os seus pares para discutir um novo Tratado europeu e ouvir o “Presidente” Sampaio da Nóvoa a apelar a um referendo europeu. Suspeito que teria um “ataque de fúria socrático”; e com toda a razão.

Terá Sampaio da Nóvoa pensado nas consequências de um referendo europeu para a recuperação da economia nacional e para a criação de emprego? Sim, criação de emprego senhor candidato de esquerda e “próximo das pessoas”. Um simples anúncio de um referendo europeu iria colocar em causa todos os esforços dos últimos quatro anos. O investimento externo pararia, e os mercados deixariam de financiar o Estado português a juros comportáveis. Voltaria a ameaça de uma nova intervenção externa e de mais uma crise. Eis o exemplo de uma proposta populista que prejudicaria, e muito, os reformados, os desempregados e os mais pobres. Os apoiantes de Sampaio da Nóvoa costumam dizer disparates do género de que “a economia não se pode impor à política”, ou “é necessário recuperar o primado da política sobre a economia.” Para eles, “o primado da política sobre a economia” significa o primado das suas fantasias populistas sobre os empregos, as pensões e os salários dos portugueses. Nada mau para um “candidato de esquerda”. Mas habitual.

Até agora, o PS aceitou sempre as ratificações parlamentares e nunca exigiu referendos aos Tratados europeus. No entanto, os socialistas nada disseram sobre esta proposta. Desconfio que o silêncio se explica por três razões. Alguns militantes socialistas certamente concordarão com Sampaio da Nóvoa. As duas outras razões são mais cínicas. Uns esperam que Sampaio da Nóvoa não seja eleito – quantos dirigentes do PS estarão à espera de saber quem será o candidato do PSD para saber em quem vão votar para Belém? Outros esperam que, se Sampaio da Nóvoa for eleito, a promessa do referendo morra pelo caminho.

Apesar de tudo – e apesar das tentações cínicas para não criar problemas desnecessários – o referendo europeu não é um assunto menor, sobretudo tendo em conta a situação do país. Além disso, foi introduzido pelo candidato presidencial dos socialistas. Eu gostava muito de saber o que pensam António Costa e outros dirigentes socialistas sobre o referendo europeu?

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