Facto 1: a ditadura socialista de Chávez e Maduro, na Venezuela, resultou no empobrecimento severo da população, na escassez de bens de primeira necessidade, na insegurança pública, na prisão de adversários políticos, na destruição da economia por via de nacionalizações arbitrárias, na corrupção como forma de sobrevivência e no colapso das instituições políticas. Não foi por falta de avisos que se chegou a este ponto de miséria e desespero. Afinal, este desfecho segue à risca a inevitabilidade dos regimes de matriz socialista e revolucionária, que acabam sempre com os cidadãos de mão estendida.
Facto 2: Guaidó é a única alternativa com legitimidade democrática a Maduro. Não é preciso sequer gostar-se dele, porque a questão nem se coloca. Guaidó foi eleito presidente da Assembleia e só ele tem a legitimidade para fazer o que está a fazer: liderar uma confrontação popular com o regime de Maduro para exigir uma transição democrática. Ter-se autoproclamado Presidente foi um passo necessário nessa confrontação. E reflecte-o o reconhecimento internacional que tem obtido por parte do chamado mundo livre, dos EUA aos vários Estados europeus e às instâncias da União Europeia (com apoio de PS, PSD e CDS).
Facto 3: o PCP apoia Maduro, movido pela ortodoxia comunista e pela sua característica cegueira ideológica. O voto de condenação à “operação golpista” na Venezuela que propôs fala por si. Recorde-se que o PCP lamenta a queda do Muro de Berlim, desmente o massacre de Tiananmen, chora o desmoronar da União Soviética (que oprimiu a Europa de Leste durante décadas) e celebra todo o tipo de ditaduras com raízes marxistas (Coreia do Norte, Cuba, Vietname, China). O seu apoio explícito e incondicional ao regime venezuelano só choca os distraídos.
Facto 4: o BE, no seu habitual cinismo, optou pela ambiguidade e, sem grandes considerações sobre a opressão violenta do regime de Maduro, investe os seus esforços em associar Guaidó a Trump, a Bolsonaro e à extrema-direita, numa tentativa desesperada de o descredibilizar – o que, inevitavelmente, equivale aqui a defender o status quo, isto é, a autoridade de Maduro. Assim, no Parlamento Europeu, votou contra o reconhecimento formal de Guaidó como presidente interino da Venezuela. Na Assembleia da República, o BE rejeitou também uma iniciativa com o mesmo intuito e, mais revelador, absteve-se no surreal e acima referido voto de condenação apresentado pelo PCP.
Serão várias as reflexões a retirar do caso venezuelano – por exemplo, sobre as relações diplomáticas de Portugal com o regime ou sobre as hesitações políticas na hora de acudir aos pedidos de auxílio dos luso-descendentes. Haverá tempo para isso e, espera-se, a acção portuguesa poderá nesta hora fundamental ser mais firme do que tem sido. Mas outras reflexões são já possíveis de fazer. Uma, com consequências de curto prazo, está em avaliar o papel da esquerda radical portuguesa no nosso horizonte político, estando nós em ano eleitoral. A posição de PCP e BE sobre a Venezuela obriga a três conclusões simples que, se aprendidas, melhorariam o ar que se respira na política portuguesa.
A primeira é que não se deve continuar a aceitar que BE e PCP venham dar lições de democracia a quem quer que seja. Sim, o jogo democrático concede a todos o direito à sua opinião, mas o respeito pelos valores democráticos também impõe que certas opiniões valham menos do que outras – nomeadamente aquelas que atentam contra direitos humanos, sociais e políticos. Ter o PCP e o BE a pregar sobre a democracia, partidos que sucessivamente defendem os inimigos dos regimes abertos e livres, simplesmente não deve merecer um segundo do nosso tempo. A segunda é que o debate político está à procura de ameaças à democracia no lado errado. As vozes mais à esquerda do comentário político têm agitado bandeiras e fantasmas sobre a chegada da extrema-direita e do seu populismo – ao ponto de afirmar que Passos Coelho é um perigoso populista. Nas discussões partidárias, ouvem-se acusações de fascismo a cada meia-hora. E, no entanto, não há qualquer evidência que justifique esses alertas – a menos que se considere a irrelevância partidária de André Ventura como uma ameaça. Pelo contrário: são os partidos da esquerda portuguesa que notoriamente mais têm contribuído para a radicalização do espaço público.
Por fim, a terceira conclusão é que a geringonça não é um projecto viável para um país da UE, embora encante os partidos socialistas europeus (em luta pela sobrevivência). Talvez o seja para o PS, porque lhe assegura estabilidade governativa e mantém um certo controlo da contestação social que, sem o PCP ao seu lado, rapidamente se descontrolaria (como se descontrolou contra o governo de Sócrates e o governo de Passos Coelho). Talvez o seja para o PCP, enquanto isso lhe permitir alargar a esfera da sua influência na máquina do Estado e resgatar o poder em sectores-chave para a sua actividade (como os transportes). Talvez o seja para o BE, que está assumidamente disponível para ter poder e exercê-lo. Mas um país que queira ter futuro num mundo aberto, plural e próspero não pode permanecer amarrado a inimigos da liberdade. Às vezes, as coisas são mesmo assim tão simples.