O Programa de Estabilidade já nasceu torto, a começar pelo cenário macroeconómico. O Governo não alterou a previsão de crescimento para 2016, que é significativamente superior às previsões de todas as instituições nacionais e internacionais. Este otimismo mantém-se nos anos seguintes. Em termos acumulados e face à média das previsões internacionais, o diferencial nas previsões de crescimento até 2020 é de cerca de 2 p.p. Empiricamente, está estimado que a diminuição do crescimento em 1 p.p. se traduza num aumento do défice de 0,5 p.p, isto quer dizer que o défice previsto pelo Governo está, desde logo, subestimado em 1 p.p. até 2020.

Mais preocupante é a qualidade das medidas que o Governo planeia introduzir nos próximos anos. As duas medidas com mais impacto na redução do défice são os cortes na despesa com pessoal que resulta da redução de funcionários públicos em linha com as regras do anterior Governo (-1,1 % do PIB até 2020), mas também a redução dos custos intermédios por virtude da racionalização dos serviços e poupanças adicionais com as PPPs e outras despesas correntes (-1,1% do PIB). Mas os resultados destas medidas são reconhecidamente difíceis de quantificar e as poupanças no funcionamento dos serviços públicos já foram assumidas por Bruxelas como irrealistas, pelo menos para 2016. A fatura do descongelamento da progressão das carreiras é uma incógnita que não está vertida claramente no Programa de Estabilidade. Finalmente, a redução do défice em 2017 beneficia também de um bónus por ter chegado ao fim o programa de liquidação do BPP – ou seja, uma medida extraordinária sem impacto no défice futuro.

O ministro garantiu que o efeito das medidas de caráter fiscal seria neutro, que é a versão em português técnico da já conhecida política do tira com uma mão e dá com a outra, mas é sobretudo enganador, porque não é realista pensar que o Governo pode ambicionar eliminar o défice até 2020 com um impacto fiscal neutro e com uma taxa de crescimento média no mínimo moderada.

Inês Domingos é deputada independente eleita pelo PSD

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