Num raro assomo de honestidade o Ministro das Finanças revelou este mês ao Financial Times que afinal a página de austeridade não virou assim tanto. De facto, sabemos que não virou, mas está agora mais escondida, nos impostos que pagamos indiretamente e de forma encapotada sobre cada vez mais bens e serviços, nos serviços públicos que não podemos usar porque o investimento público está em níveis insustentavelmente baixos, ou nos custos para a sociedade das deficiências na proteção civil e na defesa nacional que foram reveladas estrondosamente nos últimos anos.

Com este Governo do PS apoiado pelas esquerdas mais radicais estas políticas são para manter. Com efeito, o Programa de Estabilidade 2019-2023 que debatemos esta semana no Parlamento sustenta-se numa carga fiscal recorde e num investimento público diminuto nos próximos cinco anos. Vamos continuar a jogar às escondidas, a esconder cada vez mais impostos e as crescentes deficiências nos serviços públicos, enquanto se propaganda um suposto sucesso económico que, no entanto, se deve mais aos bons ventos do exterior do que às políticas do Governo.

Mas o sinal mais preocupante é mesmo a já habitual mentirinha (alguns diriam piedosa) sobre previsão de crescimento no médio e no longo prazo. O Governo prevê um crescimento potencial de 2% em média entre 2019 e 2023, enquanto instituições como o FMI ou o Conselho das Finanças Públicas apontam para um crescimento no longo prazo perto de 1,5%. Talvez por isso, o Conselho das Finanças Públicas não dê o seu acordo às previsões do Governo a partir de 2020. Perante as dúvidas do CFP, talvez por má consciência, o Governo justifica que se prevê um efeito positivo na produtividade das reformas estruturais que realizaram. Se não fosse muito triste, esta afirmação seria risível, vinda como vem de um Governo que não fez qualquer reforma estrutural e ainda tem orgulho em dizer que reverteu as reformas do anterior Executivo.

Sabemos para o que serve este truque, ao empolar o crescimento potencial o Governo dispensa-se de apresentar medidas concretas para melhorar o saldo orçamental estrutural. É sua prática habitual e remete-nos para os saudosos tempos do Governo do Engº Sócrates. Pode até ser tentador encolher apenas os ombros e deixar que a realidade o desmascare. Só que as consequências deste “truque” são potencialmente desastrosas.

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Em primeiro lugar, porque empolar o crescimento potencial permite acentuar de forma artificial a redução do peso da dívida no PIB, dissimulando a verdadeira dimensão do desafio que ainda enfrentamos. Em segundo lugar porque se ignora os riscos conjunturais externos que estão à nossa porta – desde o Brexit à desaceleração mundial. Em terceiro lugar, porque com esta previsão, o Governo continua a abafar os verdadeiros problemas da economia Portuguesa: o baixo crescimento potencial e a quebra preocupante da produtividade nos últimos anos.

A previsão de longo prazo do Governo está baseada numa expetativa de um aumento no crescimento da produtividade do trabalho para 1,3% nos próximos cinco anos. Mas a história recente sugere que um salto desta dimensão é no mínimo otimista. Com este Governo a produtividade do trabalho diminuiu em média 0,2% por ano. Comparado com a União Europeia Portugal regista uma diferença na produtividade do trabalho de perto de 1 pp em média desde 2016. O Governo justifica a queda da produtividade com o aumento do emprego. Mas de facto, entre os oito Estados-membros que registaram um aumento de emprego igual ou superior ao português, cinco tiveram taxas de crescimento da produtividade superiores: Irlanda, Espanha, Chipre, Malta e Hungria. Isto quer dizer que é possível criar emprego com maior produtividade e, desde logo, melhores salários, mas para isso é preciso ter um plano para aumentar a resiliência e flexibilidade da economia portuguesa, só que isso o Governo não quer nem ouvir falar!

Entretanto, no mundo cor-de-rosa do Governo, o programa de Estabilidade, mais do que previsões, apresenta-nos unicórnios alados, que servem lindamente para contar histórias às crianças, mas não são uma forma credível de preparar o futuro do país.

Economista, deputada do PSD