A eleição de Liz Truss teve a vantagem de acalmar por uns meses os problemas de continuidade de governo no Reino Unido. O processo eleitoral que a escolheu foi longo, complexo e dificilmente terá contribuído para melhorar as perspectivas do partido que governa há 12 anos e chega ao quarto Primeiro-Ministro nesse período.
A instabilidade dos conservadores no Reino Unido, mesmo sem uma oposição competitiva, complicou a situação política do país de formas inesperadas. Votar em David Cameron não podia ser o mesmo que votar em Theresa May, que esteve sempre a uma distância razoável de Boris Johnson, que por sua vez pode ser descrito como o tipo de político que foi eleito para se opor ao liberalismo de alguém como Liz Truss.
Nesses anos de governo, quase tudo aconteceu ao partido, de uma coligação aos referendos à independência da Escócia e à permanência na União Europeia, para além da pandemia e o regresso da inflação. Entre as mudanças de líder e a gestão de emergências, o legado dos Conservadores nesta era inclui necessariamente um crescimento económico anémico, problemas na evolução da produtividade e do rendimento disponível. Juntamente com o declínio demográfico, é um quadro de problemas tipicamente europeu, mesmo entre países com histórias políticas mais desinteressantes.
A combinação entre turbulência política e estagnação económica que perseguirá Truss como aos seus antecessores é menos comum, mas não é inédita no continente. Na verdade, a sucessão de primeiros-ministros e a alteração na composição dos governos tornou habitual a comparação entre o Reino Unido e a Itália, onde os mesmos doze anos viram passar sete primeiros-ministros.
No final do mês, Itália terá eleições legislativas, mas não necessariamente um novo primeiro-ministro, uma vez que as eleições têm servido mais para alterar a composição parlamentar do que para escolher um governo – daqueles sete primeiros-ministros, só um, Berlusconi, comandou uma vitória eleitoral antes de ser nomeado para o cargo. Ao contrário do Reino Unido, o problema italiano é a ausência de uma maioria política que possa dar origem a uma oposição eficaz.
Daí que as próximas eleições mereçam mais atenção do que têm recebido. Depois do governo praticamente unânime de Mario Draghi, a campanha para o substituir trouxe blocos estratégicos e alianças táticas, com a possibilidade de uma maioria de direita como o grande ponto de interesse.
De acordo com as sondagens, o partido Irmãos de Itália, liderado por Giorgia Meloni, disputa o primeiro lugar com o Partido Democrático de Enrico Letta, que foi já primeiro-ministro durante nove meses, entre 2013 e 2014.
A principal vantagem comparativa de Meloni parece ser a aliança de direita com Salvini e Berlusconi, dificilmente replicável à esquerda. Essa aliança, aliás, ilustra as principais dinâmicas políticas italianas. Desde logo, a instabilidade das intenções de voto: a Liga de Salvini parecia destinada a governar, mas o apoio ao governo de Draghi penalizou-a em favor da sua alternativa à direita. Por outro lado, a política italiana deslocou-se para os extremos: o governo institucional de Mario Draghi tinha como principais suportes a Liga de Salvini e o Movimento 5 Estrelas de Giuseppe Conte, cuja proeminência política vinha da proposta populista e da oposição aos partidos tradicionais; Giorgia Meloni fez a sua carreira nos movimentos que reclamavam a herança de Mussolini e os Irmãos de Itália são ainda hoje uma amálgama desses ativistas com os órfãos da direita tradicional que desapareceu com a primeira reforma de Berlusconi.
A possibilidade de os herdeiros de Mussolini governarem a terceira economia da União Europeia justifica a preocupação. No entanto, tal como no Reino Unido, o radicalismo cultural, simbólico e retórico pode não implicar um radicalismo de governo, pelo menos não no sentido de tornar plausível o regresso do totalitarismo. Meloni, aparentemente fã de separar a obra do artista, assegura que o apreço juvenil por Mussolini não é um apreço pelo fascismo e a sua campanha tem sido passada a separar-se das opiniões tradicionalmente mais lesivas da extrema-direita, comprometendo-se com o apoio à NATO e à Ucrânia e discordando da União Europeia sobretudo na melhor forma de aplicar os fundos comunitários.
Meloni está incomparavelmente à direita de Truss e Itália tem problemas bem mais profundos e prolongados do que os do Reino Unido. É sempre difícil julgar o extremismo a priori, mas a história da última década mostra como um radical no discurso não é o mesmo radical no governo. Truss poderá baixar ou evitar subir os impostos sem quebrar relações com a União Europeia e um governo Meloni poderá continuar a dificultar a vida aos imigrantes sem avançar para um neofascismo. Parece mais difícil que qualquer uma possa trazer estabilidade política e resolver os problemas estruturais das suas economias. A História repete-se.