Dizem os especialistas que uma das primeiras funções cognitivas a ser afectada pelo envelhecimento é a capacidade de autocrítica, o travão que nos impede de falar antes de ponderar, de reflectir antes de afirmar. Ter a capacidade de avaliar num brevíssimo lapso se, o que vamos dizer é adequado no tempo, no modo e no teor. Antes das quebras da memória ou das perturbações de orientação, o evanescer da autocrítica é mais subtil, mais insidioso mas, eventualmente, mais perigoso. Todos nós já o verificámos em indivíduos anteriormente inteligentes e brilhantes, mas que começam a ter desacertos e deslizes socialmente condenáveis.

É isto que pode estar presente e motivar as recentes declarações de Sua Excelência o Senhor Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa. De uma penada desceu o degrau da excelência e tropeçou nos mais básicos princípios do bom senso.

Já nos tínhamos habituado ao estilo Marcelo. A sua faceta obsessiva compulsiva de querer estar sempre a brilhar no carrocel político, a sua tendência a disparar tiros de um humor ácido em todas as direcções, só para ser notícia, e continuar na ribalta mediática. Só que, de tanto uso, a arma está gasta e os tiros saem pela culatra, chamuscando o atirador. Já nos tínhamos habituado ao narcisismo de Marcelo; mas se Narciso se admirava nas águas de uma fonte, o nosso Presidente deleitava-se nos écrans das selfies. Era o “presidente dos afectos” que transbordava de amor pelo “povo miúdo” ou com o amor de si próprio. Já nos tínhamos habituado, era o estilo Marcelo.

Mas os cargos de poder, quando não partilhados, acabam por dar solidão. E hoje Marcelo é um homem sozinho no meio da multidão. Cortou com a família, não fala com os amigos. Como não teve quem escutasse os seus anseios confidenciou as suas intimidades a um grupo de quarenta jornalistas estrangeiros.

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Partidos e comentadores foram unânimes em considerar essas confidências do Senhor Presidente inoportunas, criticáveis e desajustadas. As declarações sobre o antigo e o actual primeiro-ministro, demonstraram falta de educação, de civismo e de senso político. Ligar as qualidades ou defeitos de um indivíduo à sua origem étnica ou geográfica é de um racismo primário e bacoco. Como pode o brilhante comentador Marcelo descer tão baixo. A autocrítica não funcionou e o tiro saiu pela culatra.

Mais grave ainda foi a declaração sobre a reparação devida por Portugal aos povos por nós colonizados. Marcelo não pode falar em nome de Portugal. Não está, para tal mandatado, não tem para tal poderes, nem para tal foi eleito. Para quem, nos seus discursos, nos pretende dar lições de história, comete como Presidente, um erro histórico. A História foi, História é, não se repete nem se rescreve. Deve ser aprofundada pelos especialistas e podemos concordar ou condenar decisões do passado. Mas foram factos que não podemos analisar fora do seu contexto histórico. Não somos responsáveis hoje por decisões do passado. Ou temos que devolver aos árabes as conquistas no califado do Al-Andaluz e lá se vai o “cante alentejano”.

Chamar a isto traição, é um exagero sem fundamento jurídico, porque Marcelo com estas manifestações de deterioração cognitiva pode vir a ser considerado inimputável. Temos pena por ele. Temos pena por nós. Mas em nome da nação que somos, alguém tem que gritar que o Presidente vai nu!