Rui Rio é um turista acidental. Está a passar pela política por acidente, aparentemente forçado por algum golpe cruel e irónico do destino, que o impeliu para o um caminho que nunca quis e que agora o precipitou para o abismo da liderança de um grande partido, a contragosto do seu coração mas para gáudio do seu ego.

Rio detesta o que faz e detesta o que os outros querem que ele faça. Não tem a menor paciência para delinear estratégias substantivas para o partido – e muito menos para falar sobre elas! –, não sabe nem quer saber de oposição ao Governo, não tem tempo para fazer propostas nem debates e muito menos terá alguma vez pachorra para a comunicação social.

É tudo uma maçada, uma estopada entediante, um penoso sacrifício que o outrora designado por contabilista-mor da cidade do Porto está a fazer, em nome da ética e da transparência (segundo dizia). Mas sem que isso tenha nenhuma consequência visível quer no plano teórico quer no plano da política concreta e pragmática (mesmo em período pré-eleitoral).

Aliás, quando aterrou na Câmara do Porto foi também por acidente — Fernando Gomes perdeu a eleição em 2001, não foi Rio que a ganhou, tendo inclusivamente confessado em entrevista (muito congruentemente) que, quanto à primeira medida pensada como Presidente da Câmara, “não tinha”. E agora, à frente de uma força partidária, está claro que também não tem.

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Rio não tem medidas e não propõe, não discute, não comenta, não acusa, não provoca, não elogia, não critica, não responsabiliza, não pede contas, não debate. Nada.

Tudo quanto nos tem sido dado a conhecer sobre o seu pensamento tem que ver com a vida interna do PSD – desde as sanções aos autarcas até às atrapalhações provocadas pelas presenças e ausências no hemiciclo parlamentar – ou então são migalhas esparsas e desconexas sobre temas também eles acidentais. O caso mais anedótico (e anedotal) será porventura o da dramática preocupação manifestada com a especulação imobiliária, em que Rio decidiu roubar o palco ao Bloco (sem o conseguir, aliás) e cavalgar a ideia – sem contextualizar, sem explicar – de que é condenável a actividade lucrativa com a compra e venda de imóveis. Para começo de conversa não está mal ter o Presidente do PSD como aliado do Bloco no combate ao lucro.

E já que nada nos diz sobre o seu pensamento ou sobre a sua acção, sobeja-nos espaço para também nós especularmos. Não nos poderá levar a mal, portanto, que tentemos divisar uma qualquer estratégia num cenário de aparente vácuo onde pontua um alinhamento cirúrgico e surpreendente com PCP e Bloco agora também na magna questão dos professores. Talvez o grande segredo de Rio seja uma original estratégia — a de procurar ultrapassar o PS pela esquerda, ensaiando a construção de uma nova e ainda mais inesperada geringonça 2.0!

É certo que, quando Catarina Martins se mostrou ofendida por ter sido esquecida pelos discursos de António Costa, mostrou também que estava a aprender. E pensou: “se o chefe do Governo faz assim, deve ser assim que se faz”. Por isso fez: nomeou, no encerramento da convenção, Cavaco Silva, Assunção Cristas e Pedro Passos Coelho, recusando-se a mencionar o nome de Rui Rio.

Com isso, recusou-se a reconhecer-lhe qualquer relevância, nem que fosse a de adversário digno de combate – e assim declarou, no plano formal e publicamente, através do silêncio, a substância do estatuto que ele informalmente reclamou para si próprio: a inexistência. Por isso, Rio tem ainda muito caminho pela frente se quiser efectivamente tentar a ultrapassagem do PS…

Como no filme de Lawrence Kasdan, Rio é o escritor de viagens que abomina viajar; é o político que odeia a política; é o chefe partidário que desdenha os partidos (incluindo o seu próprio); é o líder da oposição que despreza a oposição. E nem Tancos, nem Borba, nem o Orçamento, nem coisa nenhuma parece suficiente para inspirá-lo.

O turista acidental do filme era uma espécie de sonâmbulo, apático e desinteressado da vida, até ser abanado e revitalizado por uma personagem exótica e extrovertida. Irá António Costa suceder a Geena Davis no Óscar? Duvido.