No Mar de Marmara uma gosma resultante da reacção das algas ao excesso de nutrientes (eufemismo para esgotos) cobre a água. Em Portugal, um visco repulsivo emana dos casos agravados pelo poder sem freio dos socialistas: afinal não só a CML transmitia dados pessoais de cidadãos estrangeiros às embaixadas contra as quais esses cidadãos se manifestavam, como os ministros Eduardo Cabrita e Santos Silva estavam ao corrente desse procedimento. Como de costume ninguém assume responsabilidades.
Note-se que o caso Medina, agora também caso Santos Silva/Eduardo Cabrita nos fez esquecer o caso da nomeação de Pedro Adão e Silva para a comissão organizadora dos 50 anos do 25 de Abril, sendo que o caso Pedro Adão e Silva por sua vez já nos fizera esquecer o caso da nomeação de Ana Paula Vitorino para a Autoridade da Mobilidade e dos Transportes (AMT), caso esse mais ou menos contemporâneo do caso Pedro Nuno Santos/TAP-Michael O’Leary/Ryanair…
Marmara é aqui. O visco cerca-nos. A passividade faz-nos cúmplices. A forma como cada novo caso apaga o anterior mostra muito do estado de anomia a que chegámos: tão constrangedor quanto os acontecimentos revelados é eles não gerarem reacção. Décadas a conceder à esquerda o monopólio da indignação só podiam resultar nisto!
Só nos podemos queixar de nós mesmos quando esta semana virmos Fernando Medina a fazer comentário político na TVI, não temendo perguntas inconvenientes nem manifestações frente aos Paços do Concelho pelo facto de a estrutura tentacular da CML, com os seus dez mil funcionários, ser um ente inimputável, ávido de recursos e incapaz de abrir um simples mail ou ler uma lei. O que Medina naturalmente receia é ser apanhado no fogo cruzado dos diversos candidatos à liderança do PS pois agora, que a esquerda exerce o poder sem oposição, apenas as suas lutas internas podem penalizar os envolvidos.
É à luz desta ocupação do Estado pelo PS, do sentimento de impunidade que cresce dia a dia entre os seus dirigentes, da ausência de oposição e do apoio militante dos comunicadores do regime, que o PS se prepara para a fase seguinte, aquela em que vai lançar a regionalização. Ou mais precisamente apresentá-la como o objectivo de Abril que falta cumprir.
A nomeação de Pedro Adão e Silva não foi um engano, não duvido que a polémica era esperada quer por ele quer pelo PM, o seu vencimento não resultou de uma distração e obviamente a sua equipa não está sobredimensionada para aquilo que dela se espera: Pedro Adão e Silva vai dirigir um ministério da Propaganda, que procurará fazer dos objectivos do PS as novas conquistas irreversíveis. O que o PS espera de Pedro Adão e Silva é que ele transforme o discurso do PS no discurso do país e que transforme em irreversível o que tem de ser debatido. Tal como aconteceu com as do PCP, também estas conquistas irreversíveis garantirão ao PS uma influência e um poder imunes aos resultados eleitorais.
As referências ao Estado Novo são o pano de fundo excelente para que se condicione a discussão: o receio de ser classificado como fascistóide (para usar a gíria do deputado José Magalhães a propósito de um site que lhe desagrada, o Notícias Viriato) estará lá a cada momento.
À beira de cumprir 50 anos sobre o 25 de Abril, o regime repete os mesmos bloqueios daquele Estado Novo cujo derrube celebra: a incapacidade de actualmente discutir a sustentabilidade da Segurança Social ou mais precisamente a sua falta de sustentabilidade, é um bloqueio similar ao do Estado Novo em relação ao esforço de guerra no Ultramar. Em ambos os casos, as gerações mais novas são as mais directamente afectadas pelas consequências de uma situação que aqueles que governam não ousaram em devido tempo discutir para que o seu status quo não fosse questionado.
Portugal é hoje uma democracia em perda – não só já foi mais livre do que é como se acomodou ao papel de pedinte: não se discute como vamos produzir mais riqueza mas sim quando chegam os apoios, que num constrangedor sinal do infantilismo de quem nos governa são designados como bazuka.
Portugal vive actualmente um Processo de “Peessificação” em Curso. Comissões, entidades, autoridades e institutos constituem uma rede tentacular em que o PS multiplica o seu poder. Às vezes uma notícia dá conta dos vencimentos e regalias de alguém dessa casta sem escrutínio. Mas rapidamente se esquece e a comissão o instituto, a entidade… lá continuam na produção da grande burocracia, indispensável aos estados mais a mais se eles forem socialistas.
E é neste país e a este país que o PS se prepara para apresentar a regionalização como um desígnio. Constituir uma outra camada na administração surge ao PS como necessariamente óbvio.
A regionalização é o meio que disfarça os fins: conquistar mais poder e esconder o falhanço.
PS1. Dão-se alvíssaras a quem consegui decifrar a comunicação de Marcelo Rebelo de Sousa sobre o facto de os ministros Santos Silva e Eduardo Cabrita estarem ao corrente da entrega dos dados dos organizadores das manifestações: “A gravidade não está nem em ser A,B,C por si mesmo, o essencial da gravidade em chegar ao ministério não chegar ao ministério… É preciso proteger direitos, importa proteger os direitos, onde quer que haja o risco de eles serem atingidos. Que direitos? Os direitos dizem respeito à protecção de dados pessoais. Quer dizer hoje há uma preocupação com os dados pessoais que não havia há cinquenta anos, ou há quarenta anos ou há trinta anos. Mas é esse o direito que devemos ter e que cada vez mais será o direito do futuro.” Marcelo está reduzido a isto: fala e fala, diz uma coisa e o seu contrário, para ocupar o vazio da sua falta de frontalidade.
PS2. No meio do desinteresse geral por parte dos jornalistas e dos activistas frenéticos começou em França o julgamento dos acusados de ameaçarem Mila. Mila é uma jovem francesa que em Janeiro de 2020 criticou o Islão. Rapidamente Mila viu-se acusada de blasfémia nas redes sociais. Desde Janeiro de 2020 que vive escondida. Mudou de escola, mas até o liceu militar onde foi colocada acabou a pedir-lhe que deixasse de frequentar as aulas por razões de segurança. Escreveu um livro que vai agora ser publicado em França. Quem sabe Mila ainda vai ser notícia por cá.