As classes sociais são grupos característicos das sociedades industriais, que se desenvolveram a partir do século XVII. A problemática das classes sociais, hoje em desuso, é uma das mais centrais e controversas das ciências sociais. A existência de classes sociais é comummente aceite, mas já o princípio da sua existência em luta permanente é bastante mais controvertido.

A análise da estratificação social nas sociedades modernas é complicada devido à existência de grupos de status e de classes sociais. Para simplificar, podemos dizer, na esteira de Max Weber, que as classes sociais são estratificadas de acordo com a sua relação com a produção e a aquisição de bens, ao passo que os grupos de status são estratificados de acordo com o seu consumo de bens, representado por “estilos de vida” específicos. As diferentes classes, e particularmente a classe média, têm sido muito estudadas. A complexidade crescente das estruturas sociais nas sociedades modernas e pós-modernas tem revelado a incapacidade heurística das análises clássicas da estratificação social e, já desde há algumas décadas, assistimos à deslocação do centro de interesse dos cientistas sociais para problemáticas de índole mais cultural,” pós-materialista”, ligadas, nomeadamente, à identidade, ao género, à ecologia e aos valores sociais.

As classes sociais continuam no entanto a existir, embora talvez hoje de forma menos visível. Após o seu alargamento, nos países mais desenvolvidos, nas décadas de sessenta e setenta do século passado, devido sobretudo à penetração do affluent worker , a classe média começou, lenta mas progressivamente, a perder importância , não só em termos quantitativos, mas também como objecto de estudo. A erosão da classe média ajuda a explicar o surgimento de movimentos populistas e extremistas, nos USA e em vários países da Europa. Em Portugal, o longo período de vigência do regime autocrático e a inclinação do sistema político para a esquerda, após o 25 de Abril, terão funcionado como travão em relação ao aparecimento daquele tipo de movimentos. Nos países que estiveram, durante várias décadas, sob o domínio da antiga União Soviética, terá acontecido o contrário, com a eclosão de movimentos de extrema direita, populistas e nacionalistas.

Em Portugal, as intervenções públicas e as proclamações dos dirigentes dos dois principais partidos políticos, efectuadas até agora, indiciam que, em comparação com as eleições legislativas anteriores, ambos procuram recentrar-se, partindo um da direita e o outro da esquerda. Aludimos a proclamações e não a programas: os programas são praticamente irrelevantes, não só porque ninguém os lê, mas também porque, de qualquer modo, não são para cumprir. Esta redescoberta do centro por parte dos dois partidos que disputam a governação do país coincide paradoxalmente com o momento histórico em que se verifica porventura o maior esvaziamento da pirâmide social na sua zona central, ocupada pela(s) classe(s) média(s). Este desfasamento entre os dois centros, o político e o sociológico, existiu sempre em Portugal, desde o início do regime democrático, mas foi sendo por assim dizer “mascarado” pelo despontar de uma classe média anémica e inconsistente, mas parecendo, por vezes, em marcha ascensional. As crises económicas e sociais, ocorridas nas últimas décadas, e particularmente a actual, associada à pandemia, que insidiosamente nos continua a atormentar, acentuaram as desigualdades sociais na sociedade portuguesa e evidenciaram a debilidade da classe média e que o seu crescimento, fora, afinal, apenas aparente.

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A erosão da classe média está associada, por um lado, à reduzida mobilidade social ascendente – apenas uma ínfima minoria consegue subir na escala social, utilizando porventura, até, por vezes, meios pouco legítimos – e, por outro lado, à mobilidade social descendente, que empurra a imensa maioria escada abaixo, por vezes até à pobreza. Coloca-se então, com pertinência, a seguinte questão: se o centro social se deslaça, se erode e se esfuma, quem vota, afinal, nos partidos do centro político? A relevância desta questão surge agora reforçada com a publicação dos resultados da mais recente sondagem, que revelam que PS e PSD somam 70% das intenções de voto. A resposta a esta pergunta não se afigura nada fácil. Ensaiamos aqui uma tentativa de resposta, que não pretende, evidentemente, ser definitiva. Trata-se, tão somente, de escolher uma via explicativa, entre outras possíveis, susceptível de ser aceite ou rejeitada. Na nossa hipótese, o centro “real” é, nas actuais circunstâncias, substituído por um centro “imaginário”, ilusório, extremamente volátil, que agrega: os que não admitem a descida e acreditam que ainda “lá” permanecem; os que não negam a queda, mas consideram-na apenas transitória e que, em breve, voltarão ao lugar a que pertencem; e, também, obviamente, os habituais votantes nos partidos, qualquer que seja a posição ocupada na estrutura social.

O voto não é, simplesmente, “determinado” pelo lugar ocupado na estrutura social. O eleitor possui apenas uma racionalidade limitada e a sua escolha resulta da conjugação de uma multiplicidade de variáveis de natureza diversa. O acto de votar parece, hoje em dia, cada vez mais dissociado das identidades sociais, das origens e das trajectórias pessoais e das ligações a um território, o que ajuda a explicar a volubilidade dos eleitores e a volatilidade das relações políticas. À mobilidade e à inconstância da procura corresponde, como agora é bem visível em Portugal, a proliferação da oferta partidária. O aumento da oferta não está, porém, necessariamente associado a uma melhoria qualitativa, como se infere das entrevistas e dos debates até agora realizados. Será ilusório pensar na possibilidade da emergência de um partido político ideal, que possa congregar no seu ideário e realizar na sua prática todos os nossos anseios, aspirações e desejos. Como também não parece viável a possibilidade de um voto multipartidário, “seccionado”, escolhendo o melhor que cada partido tem para nos oferecer, teremos que nos limitar ao que existe disponível no mercado político. O que existe, em termos de oferta, não parece, porém, muito aliciante, a avaliar pelas intervenções dos líderes políticos na pré-campanha. O formato dos debates televisivos não terá propiciado uma exposição clara das propostas e da troca de argumentos, mas não pode servir de desculpa para a ausência praticamente total de temas que têm estado, e continuarão certamente a estar, na ordem do dia em muitos fóruns realizados em várias partes do mundo. Temas como, por exemplo, as mudanças climáticas e as catástrofes ecológicas, a transição digital e a transição energética não podem, de modo algum, nos tempos que correm, ser negligenciados.

Ao centro, mais à direita, ou mais à esquerda, todos os votos são igualmente legítimos! O importante é que votemos!