O wokismo agora é moda e já chegou em força ao nosso país. Ainda é tempo de o criticar porque em breve quem o fizer arrisca-se a perder o emprego e será anatematizado.
Os wokers despertaram para certas realidades, dizem eles, mas, com consequências incríveis. Despertaram estremunhados e causaram vários pesadelos aos cidadãos comuns. O converso acordou e vê agora o mundo de outra maneira; «eu era cego, mas agora vejo,» diz. E vê iniquidade e pecado em toda a parte. Só que o pecado agora já não é individual; é cultural e social. Não ameaça os incréus com a cólera de Deus, mas castiga-os com os piores insultos e perseguições.
O wokismo arranca de duas ou três ideias muito simples e com base nelas constrói por sucessivas deduções uma narrativa «descontrutivista» cujo objectivo é arrasar os fundamentos racionais, objectivos e éticos da modernidade europeia. Como os pontos de partida são fracos, a consequente construção roça as laias do ridículo.
Um dos cavalos de batalha do wokismo é a transsexualidade. O transsexual é o seu herói actual. Os pressupostos são simples; o corpo com que nascemos não interessa nada e a biologia é uma ciência patriarcal, homofóbica, falocrata e reaccionária. O que importa é o que queremos ser e basta uma mera declaração para nos transformarmos no sexo oposto ou noutro qualquer. A vontade sobrepõe-se ao corpo ou seja, a consciência prevalece sobre a realidade, pois então! O corpo aprisiona a consciência que está dentro de cada um. É-nos imposto pela «sociedade» de acordo com o que lhe convém ou seja, de acordo com as exigências do poder capitalista, falocrata e reaccionário. Ouvi Aristóteles e Espinoza aos pontapés de raiva nos túmulos.
O transsexual é considerado o expoente máximo da boa consciência humana.
Mas o problema da ideologia trans é que os seus adeptos, cada vez mais numerosos, não se limitam a mudar de sexo ou de nome, em conformidade, coisa que não me incomodaria, mas querem, com o fanatismo próprio dos catecúmenos, convencer-nos a todos de uma série de dogmas inaceitáveis e para esse efeito o mais fácil é tentar-nos convencer que somos culpados. Culpados de quê? De não queremos ver que o sexo é uma criação social e, portanto, suspeita, que dificulta as opções de cada um e ofende quem as tiver. Para tanto não hesitam em exigir um duro poder do estado de modo a obrigar os réprobos a aceitar tais evidências salvíficas. E mais; a simples transigência com o que a natureza nos deu já é uma atitude suspeita e reaccionária pois não nos podemos deixar levar pelas exigências sociais e, assim sendo, tratar um homem ou uma mulher como tais pode ser ofensivo por relevar de preconceitos patriarcais, falocratas e sei lá que mais. A verdade objectiva tem de ficar refém das opções trans.
Claro está que esta conversa começa pelas crianças, os mais frágeis de nós. Nos ministérios da educação socialistas já se dizia que as crianças não podem ser «condicionadas» pelo sexo com que nasceram e com que a família os conhece. Devem, pelo contrário, ser «ajudadas» a «desconstruir» o sexo com que tiveram a desdita de nascer. Ainda veremos as pobres crianças a serem desencorajadas na natural afirmação da sua masculinidade ou feminilidade sob pretexto de estarem a pactuar com uma sociedade patriarcal, machista e falocrata.
E todo o cuidado com a linguagem é pouco. Como os wokers dizem, a semântica da linguagem reproduz posições reaccionárias (a linguagem é «fascista»). Tem de ser profundamente reformulada, sob pena de os ofender e «discriminar». A própria literatura portuguesa tem de ser revista em conformidade. O nosso imortal Camilo deve revolver-se no túmulo com as aleivosias que lhe querem assacar.
Na verdade, a ideologia transsexual não é senão uma versão laica do gnosticismo medieval, seita herética cristã, com antigas raízes, segundo a qual a natureza humana foi um erro da criação mas da qual nos podemos libertar através do «conhecimento». Claro está que a Igreja não tardou a ajustar contas com aqueles patuscos através do ensino de Santo Inácio de Antioquia, logo no primeiro século da nossa era.
Totalitarismo? É evidente que sim. Nem merece demonstração.
O outro cavalo de batalha do wokismo é a raça. A ideia é esta; o racismo branco é «sistémico» e não individual ou seja, todo o branco só pelo facto de ter nascido assim já é racista. E mais, o racismo é «interseccional» que é como quem diz, resulta de várias frentes simultâneas porque é étnico mas também sexual e cultural, o que só o agrava. No racismo converge tudo, a luta de etnias, a luta de classes, a das mulheres e tutti quanti. O racismo é sempre o ponto de partida e substitui a extinta consciência revolucionária do proletariado para estes (pretensos) neo-marxistas transviados.
O racismo woke distingue-se bem do saudoso pan-africanismo de meados do passado século, contemporâneo das justas lutas pela independência. Este queria enaltecer os africanos não brancos, fazê-los aceder à sua identidade cultural e política sem dependências coloniais. Mas não é disso que se trata. O que importa agora para o wokismo é culpabilizar o branco, esse pecador inato.
Também aqui é visível o fundo religioso calvinista do wokismo. O branco está manchado pelo pecado original de ter nascido assim e por mais boas acções que pratique, não foi tocado pela graça divina que seria ter nascido não branco. Não é pelas boas acções que o branco se redime. É que o racismo, não esqueçamos, é «sistémico» e quanto mais o branco diz que não é racista mais racista ele é. As raças existem, são cada vez mais nítidas e os brancos têm de pagar. Não basta dizer que a Constituição não distingue cores, é preciso pôr os brancos de joelhos. A influência vem mais desse terrorista que foi F. Fanon do que do pan-africanismo que tão bons resultados deu.
O wokismo, tal como o nazismo, compreende a história humana como um combate de raças. A diferença é apenas esta; enquanto que para Hitler era a mítica raça ariana que estava destinada, porque alegadamente superior, a triunfar na luta pelos recursos em espaços limitados, para os wokers, a raça branca (que ninguém sabe bem o que é) está destinada a pagar, porque alegadamente criminosa. É difícil dizer qual das duas versões do racismo é a mais imbecil.
Mas o pior é que o wokismo chegou à ciência. O mote é politizar a ciência em nome do sexo e da raça. Até as ciências exactas estão sujeitas a um agit-prop que as distorce. Não deve mesmo dizer-se que há «leis de Newton» porque o próprio era branco e heterossexual; só há «leis da física». E quanto à matemática cuidado; nada de exigências pois que ao aluno, imagine-se, pode dar-lhe para o rigor e a intolerância para com o erro ou seja, para ser «macho», o que é intolerável.
Vai daí temos agora larga colheita de «epistemologias» de várias latitudes que, baseadas em critérios wokes, tudo querem «desconstruir». Vejamos; como as ciências exactas vergonhosamente nascidas na Europa foram coniventes com o colonialismo, o racismo e com o machismo é muito simples; «descolonize-se» a ciência, dê-se-lhe cor e «desfalocratize-se» a mesma.
O que vale agora são as «ciências locais» e «indígenas», a começar pela evoluída polis das favelas, o vudu, o creacionismo maori e a reconhecida higiene dos papuas da Nova Guiné. Vale tudo desde que não seja europeu. O wokismo diz com fervor que há tantas ciências quantas etnias e géneros sexuais (dominantes e dominados) existem. A ciência tal como a temos conhecido é apenas o ponto de vista pecaminoso do homem branco. Não tarda teremos de encarar com seriedade a hipótese de o planeta estar às costas de uma tartaruga gigante, como diziam sabiamente os aztecas, e de as divindades maoris se terem dado ao trabalho de criar directamente, vá-se lá saber porquê, a ténia e o ornotorrinco. E quem não aceitar estes pontos de vista tão científicos é culpado de «discurso de ódio» e execrado.
Note-se que nada destes disparates tem a ver com o marxismo porque este, ao menos, privilegiava as ciências exactas, das quais tão bom partido tirou, e acreditava na objectividade das coisas. Nunca passaria pela cabeça do marechal Estaline dizer que as ciências exactas eram falocratas e outros dislates.
Também C. Levy-Strauss, que tanto li, nunca pôs em causa a ciência europeia, apenas nos quis dar a chave para entender como é que as sociedades ditas «primitivas» pensavam, de modo a podermos compreendê-las na base de estruturas formais comuns.
O wokismo é hoje uma religião. Alimenta-se do irracionalismo. O mote é negar a racionalidade, a objectividade e a realidade. Quer destruir as evidências. Lembra aquela deputada imbecil e ignorante que dizia que a «natureza das coisas» não existia. Como já disse, os wokers desataram a negar com uma fé própria dos fanáticos religiosos a ciência, a lógica, a racionalidade, a democracia parlamentar e, em suma, tudo aquilo que constitui o berço da cultura ocidental, a pretexto de fidelidade a uma série de enormidades.
Dir-se-ia que a velha Europa foi pela mão do wokismo acometida pela doença das vacas loucas ou seja, por uma pandemia de irracionalidade. Tem muitos adeptos entre os pequenos e médios «intelectuais» portugueses. Na verdade, é preciso ser intelectual para dizer as alarvidades com que o wokismo se entretém. O homem comum dotado de bom-senso nunca as diria.
Até quando é que a imbecilidade encantará os espíritos europeus? Pensam os numerosos adeptos do wokismo, oriundo da América do Norte mas muito divulgado, que podem eternamente convencer os cidadãos deste país e de outros que os produtos racionais do iluminismo europeu são meros expoentes de uma visão branca, racista e patriarcal? Pensarão que conseguem convencer-nos que não há identidade sexual e que o sexo é uma questão de «escolha» que nada tem a ver com o corpo com que nascemos, que o homem branco ocidental é, por definição, patriarcal, dominador, elitista, sexista, racista, esclavagista e colonialista ou não fosse a opressão que o acompanha o resultado de muitas variáveis «interseccionais», que a masculinidade é tóxica, por ser agressiva e potencialmente violadora, e que as próprias ciências exactas como a física e química são machistas e homofóbicas, que as mulheres necessitam de políticas de privilégio de modo a compensá-las, que os nascidos fora da Europa são muito mais inteligentes e civilizados do que os réprobos que tiveram a infelicidade de nascer no espaço europeu, que a imortal civilização nascida entre Jerusalém e Roma é vergonhosa, que a própria religião cristã e judaica é patriarcal e homofóbica e que temos de nos arrepender dos crimes coloniais e indemnizar alegadas vítimas de mão estendida à espera do dinheiro do nosso contribuinte? Pensarão que estamos ao dispor de todas as inanidades que nos quiserem impingir? Acham que nos convencem que ter nascido branco é um pecado original, que a boa-educação é «elitista» e que as distinções sexuais não existem, que a descolonização nunca se fez, que o racismo é «sistémico» ou seja, omnipresente e que a linguagem é «racista», coisa que nem o próprio Estaline diria (e não disse)? E sem esquecer que é preciso derrubar estátuas alusivas ao passado colonial e até arrasar monumentos como queria ainda não há muito um deputado socialista, espécie de australopithecus erectus. Para os wokers toda a sociedade é um teatro de opressão e o poder está disperso por toda a parte pelo que em vez de reformar a sociedade para melhor é necessário destruí-la como um todo e reconstruí-la em bases radicalmente novas, sem opressões, sem desigualdades, sem raças, sem sexos, sem elites e sem diferenças. O próprio ser humano passaria a ser um cyborg.
Claro está que semelhantes dislates geram reacções. As pessoas não são estúpidas. Verdade seja dita que a esquerda mais culta e racional mantém larga distância do wokismo, embora seja no seu interior que ele se divulgou.
Mas o wokismo deixa as suas marcas. Depois de muito tempo a destruir a família, a ridicularizar o casamento, a corromper a autoridade dos professores, a envergonhar a história do nosso país, a execrar a noção de pátria, a ridicularizar a nossa língua, a minar a sociedade civil, a achincalhar a cultura substituída pelo facilitismo fornecido em doses pré-fabricadas e a branquear a fraude moral, o resultado está à vista; um sentimento difuso de insegurança e de desconfiança, um medo inexplicável do futuro, uma sensação de perda e de impotência de que a juventude é a principal vítima, a descrença irracional, o niilismo generalizado, a falta de interesse cultural, o desassossego moral, etc… Já Vaclav Havel dizia que a Europa é cada vez menos uma comunidade cultural e moral.
Ora, é aqui que o perigo começa. A indiferença racional e descrença ética geram um desinteresse profundo pelas coisas públicas, de que a mais nova geração é testemunho aterrador. Mas na longa história do pensamento europeu o niilismo nunca se manteve por muito tempo. Pariu sempre movimentos contrários. O perigo é que aquele vazio possa ser aproveitado por forças sempre à espreita de oportunidades fáceis. A extrema-esquerda está fragilizada e só à espera de mais um milagre de uma narrativa radical, por mais inverosímil que seja, e a extrema-direita navega nas mesmas águas. O comunismo e o fascismo também eram irracionais e vingaram durante muito tempo, tempo demais. E como os seres humanos aprendem pouco, daí o perigo.