A 11 de Setembro de 2001, eu estava prestes a cometer o maior erro de avaliação da minha vida. Após a queda das torres, com inocência injustificável num adulto, acreditei que os renitentes subitamente compreenderiam a situação israelita, perceberiam a dimensão da ameaça islâmica e constatariam que a nossa tradição colectiva, por discutível que seja o conceito, partilha um conjunto de fundamentos – ou “valores” – que nos distinguem drasticamente do caldo primitivo que produziu os autores dos crimes de Nova Iorque, Washington e Pensilvânia.
Aconteceu exactamente o contrário: em nome do profeta e sob ordens de um psicopata, 19 tarados assassinaram três mil infelizes e, de Londres a Gaza, multidões em peso desataram a exibir fascínio pelo profeta, a mitificar o psicopata e a promover certa compreensão face aos tarados. Em Portugal, que em toleimas nunca fica atrás, um comentador televisivo apressou-se a culpar Israel, uma colunista afirmou achar Bin Laden sensual e a primeira-dama da época apareceu numa revista com vestes muçulmanas. Sobretudo, e pelos quatro cantos da Terra, responsabilizar a América pelos ataques que a América sofreu tornou-se num desporto popular. Em vez de se rejeitar os selvagens escondidos nas cavernas afegãs, foram George W. Bush, Donald Rumsfeld e Condoleezza Rice que acabaram quase unanimemente erguidos a representações do Mal. Não sei se foi um dia que mudou o mundo, mas ninguém me tira a ideia de que desde aquele dia o mundo se assemelha a um manicómio.
Os primeiros sinais de demência surgiram ainda a poeira caía nas ruas de Manhattan. De acordo com múltiplos “especialistas”, que apresentavam múltiplas “provas”, os atentados eram evidentemente um “trabalho interno”, leia-se obra da Casa Branca. Ano após ano, as “provas” aumentavam. A demência também. Em 2007, “Loose Change”, um “documentário” menos credível que a autópsia do E.T. de Roswell, merecia transmissão regular em televisões “sérias”, das que agora chamam “negacionistas” a quem discorda dos desmandos perpetrados a pretexto da Covid. Os fanáticos avançavam. E continuaram a avançar.
Hoje, os fanáticos reinam. Nas duas décadas após os “jihadistas” originais reduzirem o World Trade Center a pó, e prosseguirem a submissão sobretudo da Europa mediante matanças e demografia, os “jihadistas” de imitação desenvolveram com redobrado fervor o assalto a imensas coisas essenciais ao nosso, digamos, modo de vida. Em 2021, metade das “notícias”, entre aspas, prendem-se com doenças sociais que em 2001 não excediam o rodapé caricatural. A “ideologia de género” enquanto factor de conflito e divisão. As “alterações climáticas” enquanto refrão apocalíptico e veneração do retrocesso histórico. A “cultura de cancelamento” e a destruição metódica do “inimigo”. O racismo selectivo e a repulsa pela maioria demasiado silenciosa. A recusa religiosa que recusa duas únicas religiões. A aversão descarada ao capitalismo de cujos meios desfrutam para contestar o capitalismo. A censura assumida ou, como sempre, mal dissimulada na necessidade de acautelar o “bem comum”. A “reconciliação com o passado” que implica a queima de livros e a demolição de monumentos. A retórica “pacifista” que não esconde a fúria totalitária. Nestas duas décadas, principalmente nestas duas décadas, a esquerda substituiu as antigas lutas pelos direitos civis de uns tantos pela luta contra a liberdade de todos. E está a vencer.
É uma lição mil vezes ensinada e raras vezes aprendida: os vermes aproveitam as brechas. Pelos escombros das Torres Gémeas passaram os oportunistas da nova ordem ali iniciada, e essa ordem era o caos. E o caos era, e é, o objectivo deles. Tivesse eu tempo e paciência, desenvolveria a seguinte tese: o 11 de Setembro constituiu a demonstração por excelência de que o fanatismo compensa, por isso inspirou maníacos variados a tentarem a sua sorte no combate ao Ocidente que abominam. A circunstância de, com frequência, os maníacos serem ocidentais ou no mínimo beneficiarem dos privilégios desta civilização não é a maior das contradições em que incorrem.
E nenhuma das contradições merece escrutínio. Não se estranha que “feministas” prefiram regimes onde as mulheres possuem o estatuto de bichos. Não se estranha que “activistas” LGBTQXZ@™ defendam sistemas que matam e torturam homossexuais. Não se estranha que militantes “anti-racismo” marginalizem pretos desalinhados da cartilha. Não se estranha que alegados ateus simpatizem com devotos transtornados. Não se estranha que “progressistas” desejem retrocessos científicos e tecnológicos. Não se estranha que a “contra-cultura” sonhe com um Estado omnipotente. Não se estranha nada, talvez porque o grotesco se transformou na norma.
Há 20 anos, os talibãs de lá deram o mote através da violência animal. Os talibãs de cá seguiram-no pelo folclore inquisitorial. É muito mais o que os une do que o que os separa. Ambos, o islão do terror e a esquerda das “causas”, odeiam o Ocidente e procuram o respectivo fim. Os métodos podem diferir. A intransigência, o zelo puritano e a devoção cega são similares. A grande diferença é que uns seguem os seus desígnios, os outros seguem desígnios alheios convencidos de que alcançarão os próprios. Em suma, os terroristas são suicidas e estão dispostos a sê-lo, e a esquerda é suicida e não sabe. A 11 de Setembro de 2021, estamos mal, obrigado.