Na última quinta-feira, na Assembleia da República, Pedro Pinto, líder parlamentar do Chega, ameaçou Nuno Saraiva, assessor de imprensa do PS. Depois de um tuíte de Saraiva em que chamou aos deputados do Chega «fascistas, racistas e xenófobos, saudosistas do 24 de abril de 1974», Pedro Pinto confrontou-o nos corredores da AR. Ao fazê-lo, deu razão a quem acusa o Chega de não se preocupar com os mais desfavorecidos de entre os trabalhadores. Neste momento, não há profissão mais difícil do que assessor de imprensa do PS. São semanas seguidas a trabalhar 20 horas por dia, a substituir as notícias desagradáveis sobre o Governo por outras mais simpáticas. É uma espécie de mineiro, que em vez de ouro, garimpa igualmente raras notícias meigas para o PS.

Segundo o Correio da Manhã, «Pedro Pinto confirmou que abordou Nuno Saraiva nos corredores da AR por se sentir insultado com a publicação, mas que nunca usou qualquer tom ameaçador. Por seu lado, Nuno Saraiva chamou “palhaço” a Pedro Pinto. “Nunca ameacei jornalistas na vida”, tal como “nunca iria ameaçar ninguém nos corredores, principalmente quando há pessoas a ver”, sublinhou o deputado do Chega».

E faz sentido. Alguma vez um deputado ia ameaçar alguém nas instalações do Parlamento, principalmente havendo pessoas a ver? Ainda se não houvesse, podia pensar nisso. De outra forma, é óbvio que não.

Só que, ainda segundo o CM, havia mesmo pessoas a ver: «De acordo com declarações ao CM de cinco testemunhas que se encontravam no local, Pedro Pinto encontrou Nuno Saraiva e tentou encostar a sua testa à do assessor do PS, num tom provocatório, enquanto ameaçava partir-lhe a “tromba”.»

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Das duas, uma: ou Pedro Pinto não considera “pessoas” quem estava nos corredores – eventualmente, talvez os considere imigrantes ilegais; ou acha que “parto-te a tromba” é um simpático cumprimento, tipo “aperto-te os ossos”. E um encosto de testa a mesma coisa que uma carinhosa esfrega de narizes, à esquimó.

Uma terceira hipótese, a de incompetência jornalística, é descartada à partida, já que se trata do Correio da Manhã, o jornal português com mais experiência em falar com mirones de altercações entre delinquentes. Não há ninguém mais habilitado a recolher estes testemunhos.

Pedro Pinto escusava de passar por mentiroso. Em vez de confrontar Nuno Saraiva na AR, à vista de todos, podia ter apanhado outro assessor qualquer num sítio mais reservado, sem ninguém a ver. Desde que António Costa instituiu a Central de Informação do Governo, os assessores de imprensa do PS dizem todos a mesma coisa. Não era preciso ameaçar Nuno Saraiva, bastava ameaçar um ao calhas e o efeito era o mesmo.

Entretanto, o Chega recusa comentar este caso. Possivelmente, por nem Pedro Pinto, nem Nuno Saraiva serem ciganos. Mas faz bem. O Chega não precisa acrescentar nada ao que disse sobre Pedro Pinto quando anunciou que seria o líder do grupo parlamentar do partido: «O deputado Pedro Pinto será a voz primeira do partido no parlamento e, sendo também secretário-geral do Chega, representa fielmente o espírito, a mensagem e o ADN do partido.» Pelos vistos, o ADN do Chega é tentar recolher o ADN de adversários políticos com as próprias mãos. De facto, o Chega faz oposição com uma postura diferente. Chama-se “southpaw”.

Há que admitir que Pedro Pinto representa bem o partido: esbraceja, bufa, ameaça, mente sobre isso, é apanhado na mentira e a última coisa que ouve antes de ir embora é alguém a chamar-lhe “palhaço”.

(Mas vamos lá ver se a sempre exigente Comissão de Ética do Chega não lhe abre um processo. Ao apodar Saraiva de “anão”, pode ser acusado de uma espécie de pedofilia, por tentar abusar de uma pessoa pequenina. Se eu fosse a Pedro Pinto, não bebia nada oferecido por alguém do partido. Nunca se sabe se não é castração química dissolvida).

No entanto, é preciso reconhecer que ter Pedro Pinto como líder parlamentar é uma agradável mudança em relação às escolhas mais convencionais e aborrecidas dos outros partidos. Se o PS tem o pouco entusiasmante Eurico Brilhante Dias, o PSD o apagado Joaquim Miranda Sarmento e o PCP a repetitiva Paula Santos, o Chega avança com o excitante Pedro Pinto. O PCP tem a cassete, o Chega o cassetete.

Vê-se que Pedro Pinto moldou a sua forma de estar na de outros grandes líderes de bancada. Talvez não na de Marques Mendes, do PSD, ou de Francisco Assis, do PS, conhecidos pelas qualidade tribunícias. Mas na de Fernando Mendes ou de Mustafa, da Juve Leo, conhecidos pela qualidade das suas ameaças à ordem pública. É que, quando lhe propuseram o lugar de líder da bancada, é provável que Pedro Pinto tenha pensado na Bancada Sul, onde se sentam as claques do Sporting. É uma questão de tempo até aparecer de tronco nu a lançar uma tocha para o chão do hemiciclo.

Este tipo de confronto pode fazer muito pelo interesse dos jovens na política. As audiências da ARTV vão ganhar um novo fulgor. O Estado da Nação não atrai muitos espectadores, mas o Estalo da Nação será um êxito. Se Pedro Pinto responder a todos os comentários em redes sociais com ameaças de pancada, a ARTV pode ter aqui uma empolgante série de pelejas. Quem sabe se não consegue, até, lançar um segundo canal só dedicado a desportos de combate: a SpARTV. Só precisa de promoção adequada. Primeiro, foi o Desentendimento no Parlamento. O próximo pode ser a Porrada na Bancada. A seguir, Combate no Debate. Espancamento em São Bento. Tareia na Assembleia. Amassado no Senado. Rotativo no Legislativo. Pancrácio no Palácio. O único limite são as rimas entre sinónimos de luta e de parlamento, porque a agressividade de Pedro Pinto parece não ter fim.

Mas não podemos ser injustos. Nas palavras de Pedro Pinto não há apenas ameaça bruta, há também fina crítica política. Quando Pinto diz a Saraiva: «Ainda tens muito que crescer para me chamares fascista», está a chamar a atenção para o facto de, com este Governo, Portugal não crescer. O que, aliás, faz com que se perceba melhor porque é que o papel dos assessores de imprensa do PS é estar nas redes sociais a distrair a malta.