Num único dia, morreram onze pessoas enquanto esperavam por socorro. Os inquéritos em curso dirão se estas fatalidades estão ou não relacionadas com a greve do INEM, mas há dois factos inegáveis: a greve poderia ter sido evitada se o Ministério da Saúde tivesse sido mais previdente – e não foi; e os constrangimentos provocados pela greve poderiam ter sido minimizados se os serviços mínimos tivessem sido reforçados – e não foram.

Os inquéritos e as investigações farão o seu caminho, mas estas conclusões preliminares são irrefutáveis. Daí, a pergunta legítima: se ficar comprovado que existe um nexo de causalidade entre uma morte que seja e os constrangimentos provocados por uma greve que poderia perfeitamente ter sido evitada, Luís Montenegro estará mesmo disposto a segurar a sua ministra da Saúde e a comprar uma guerra com Presidente da República, oposição e opinião pública? Parece que sim.

Pelo menos para já, e sem grande pudor, a época da caça ao bode expiatório abriu e não falta gente com alvos desenhados nas costas. A secretária de Estado, que não respondeu corretamente aos sindicatos e que já ficou sem a tutela do INEM, o presidente do instituto, que achou por bem não reforçar os serviços mínimos, os trabalhadores, acusados de  participar numa greve de forma irregular, e António Costa e Fernando Medina, que deixaram o INEM, dizem os sociais-democratas, com uma mão à frente e outra atrás. Todos menos, claro, a ministra da Saúde.

Ana Paula Martins, que ficando no Governo num cenário destes não seria mais do que uma ministra-zombie à espera do próximo tropeção para cair, vai tentando seguir em frente. Mas continua a somar momentos penosos. Dizer, como disse no Parlamento, que “assume total responsabilidade” pelo que “correu menos bem” é não perceber que as palavras têm um peso e que as famílias destas vítimas, que ainda não sabem se estas mortes poderiam ou não ter sido evitadas, veem, ouvem e leem notícias. Não, para estas famílias, “não correu menos bem”. Aconteceu mesmo o impensável.

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Mas este caso já está para lá de Ana Paula Martins. A menos que a ministra decida sair pelo próprio pé, no final do dia, quando todos os dados forem conhecidos, terá de ser Luís Montenegro a tomar uma decisão. Até ao momento, porém, o primeiro-ministro teve duas intervenções públicas de relevo nesta crise: no primeiro caso, para dizer que o Governo não tem de andar atrás de pré-avisos de greve; no segundo, para se queixar que os jornalistas andam monotemáticos, que há vida para lá do INEM e que “há um país que pulula todos os dias”.

A primeira frase dispensa grandes comentários. A segunda encerra todo um programa. Não há memória de Luís Montenegro se queixar dos jornalistas quando os “casos e casinhos” que afetaram o anterior governo alimentavam horas e horas de noticiário e de comentário político — aliás, davam muito jeito à oposição e davam muito jeito sobretudo ao PSD. Nessa altura, uma comunicação social monotemática, que escrutinava e chateava António Costa, sobretudo na área da Saúde, não incomodava assim tanto Montenegro. Pelo contrário.

Como escreveu o insuspeito Aníbal Cavaco Silva, “o primeiro-ministro deve recomendar-lhes [aos ministros] que acompanhem a execução das medidas, para que elas não fiquem só no papel e deve ser categórico na afirmação de que, passados seis meses, não devem insistir mais na atribuição ao Governo anterior das culpas da situação existente. (…) Culpar o Governo anterior para além daquele período é um indicador seguro de incompetência do ministro, que tende a revelar como óbvia a sua inaptidão”.

Ora, se o tal nexo de causalidade entre a greve e as mortes registadas se confirmar, não chegará lamentar a herança recebida. Os constrangimentos do INEM existem e arrastam-se há demasiados anos, não vale a pena negar. Mas gritar “a culpa é do PS”, como antes se gritava “a culpa é do Passos”, tem limites e não dá para tudo. Alguém terá de assumir responsabilidades políticas ou ser responsabilizado. Era importante que Montenegro, que gosta tanto de se inspirar em Aníbal Cavaco Silva, não se esquecesse das lições do homem que tenta emular. Não basta alimentar bodes expiatórios. Eles pululam, mas não avançam.