A pouco mais de duas semanas de umas eleições europeias que terão inevitáveis leituras e implicações para a política nacional, e com os debates a sucederem-se, importa reflectir sobre a relevância dos cabeças-de-lista. Luís Montenegro optou por uma aposta de alto risco para um partido com a escala do PSD. Sebastião Bugalho, como era esperado, tem estado a bom nível nos debates e na generalidade das suas intervenções públicas. Além da sua experiência mediática e da sua assertividade, tem evidenciado uma boa preparação – a qual não será alheia à sua trajetória académica mas resulta também certamente do empenho colocado na preparação da candidatura. Já Pedro Nuno Santos fez aparentemente uma aposta mais segura ao escolher Marta Temido. No entanto, a verdade é que Temido tem estado francamente mal, a ponto de o PS ter sido o único partido a – compreensivelmente – rejeitar participar nos debates frente-a-frente promovidos pela Rádio Observador. É caso para dizer que o PS tem mais medo de expor Marta Temido do que o Chega de expor Tânger Corrêa, o que não deixa de ser sintomático.

Não obstante o desempenho muito fraco de Marta Temido, importa ainda assim recordar que em 2019 o PS venceu as eleições europeias com mais de 11 pontos percentuais de vantagem sobre o PSD tendo Pedro Marques como cabeça-de-lista. Em 2019, com CH e IL ainda a dar os primeiros passos e com votações incipientes, o PSD, com Paulo Rangel como cabeça-de-lista, ficou-se pelos 21,9% e o CDS, com lista liderada por Nuno Melo, obteve 6,2%. Ou seja: os dois partidos que hoje concorrem coligados na AD ficaram nas últimas eleições europeias pelos 28% – mesmo sem terem ainda concorrência séria de CH e IL. Considerando este exercício de memória – e recordando adicionalmente que a AD nas legislativas de Março deste ano ficou abaixo dos 29% – será caso para considerar que se Sebastião Bugalho conseguir levar a AD a um resultado em torno dos 30% tal será um sucesso pessoal, ainda que qualquer cenário em que a AD fique atrás do PS seja sempre problemático para Luís Montenegro.

O melhor indicador da relevância (ou falta dela) dos cabeças-de-lista nestas eleições europeias virá provavelmente dos resultados de CH e IL. Conforme salientei aqui , tanto CH como IL tinham à partida um claro potencial para crescerem face às legislativas. A opção do CH por apresentar Tânger Corrêa como cabeça-de-lista arrisca desperdiçar esse potencial (ou parte dele) naquele que é o primeiro teste do partido numas eleições à escala nacional sem ter André Ventura como cabeça de cartaz (ainda que apareça convenientemente sempre que possível ao lado do seu cabeça-de-lista e tão frequentemente quanto possível a falar em vez dele). Um risco que é agravado pelo facto de tanto Sebastião Bugalho como João Cotrim de Figueiredo poderem ter boa aceitação em partes do eleitorado que votou CH nas legislativas. Uma quebra do CH face ao resultado das legislativas numas eleições nas quais a AD não beneficia do apelo ao voto útil será problemática para a narrativa e para a dinâmica de crescimento que André Ventura pretende associar ao partido – em especial se essa quebra for significativa. Por outro lado, uma manutenção ou reforço da votação no CH sugerirá que o cabeça-de-lista não é particularmente importante e que o partido começa a consolidar eleitorado.

Relativamente à IL, a situação é quase oposta à do CH. João Cotrim de Figueiredo é um cabeça-de-lista forte e tem estado a muito bom nível nos debates. Sem o constrangimento do voto útil, a IL pode ambicionar crescer face às legislativas e até eleger mais do que um eurodeputado. O cenário de poder ficar à frente do CH parece-me francamente pouco realista mas quanto maior for o efeito associado aos cabeças-de-lista mais a IL terá a ganhar e mais o CH terá a perder. Também neste aspecto o resultado do dia 9 de Junho será um bom teste prático à relevância que os cabeças-de-lista têm (ou não).

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