Fez furor a afirmação do Presidente do Partido Social Democrata, Rui Rio, de que é católico, mas não crente, porque não tem fé. Que, quem não tenha fé não seja crente, é evidente, mas não que se possa ser católico não sendo crente, por não se ter fé.

Geralmente, quando se adjectiva a designação de católico, ou é uma redundância, como no caso do ‘católico praticante’, ou uma contradição, como no caso dos ‘católicos não praticantes’. Como se supõe que a prática cristã é, sobretudo, a participação na Missa, entende-se que o católico não praticante seja, em geral, o baptizado que habitualmente não participa na Eucaristia dominical. Na verdade, também não pratica a fé quem nega princípios fundamentais da fé, ou da moral, católicas, ou não vive as virtudes cristãs. Com efeito, pouco católico seria o fiel que, apesar de não faltar à Missa, não vivesse a caridade, que é o sinal distintivo dos verdadeiros discípulos de Cristo.

Infelizmente, Rui Rio não é o único político que se afirma ‘católico’ mas que, de facto, não é crente, porque não tem fé. Um caso análogo é o da ‘católica’ Nancy Pelosi, a presidente do Congresso norte-americano. Contradizendo a fé que diz ter, é pró-aborto, aliás como o polémico Presidente dos Estados Unidos da América.

Com efeito, Joe Biden intitula-se ‘católico’ e é, também, pró-aborto e, por este motivo, já lhe foi obviamente proibida, no seu país, a comunhão eucarística. Não obstante, foi recentemente recebido pelo Papa Francisco, que tanto recebe crentes como não-crentes, e que, segundo o Presidente dos EUA, ter-lhe-ia dito que é um bom católico (!) e que podia comungar (?!).

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Na medida em que nem o Vaticano confirmou esta declaração – apenas referida pelo próprio Biden que, como é óbvio, não é bom juiz em causa própria –, o seu valor é muito escasso, senão mesmo nulo. Mas, mesmo que essa afirmação tivesse sido proferida pelo Papa na dita audiência, o que é muito improvável, não teria qualquer transcendência, porque ninguém, nem mesmo o Santo Padre, pode canonizar alguém em vida, nem autorizar católico algum a receber a Eucaristia quando contradiz, na teoria e na prática, de forma pública, princípios essenciais do Cristianismo. Só pode comungar quem se encontra em comunhão com a Igreja, ou seja, aceita todos os seus ensinamentos fundamentais, obedece à hierarquia eclesial, vive de acordo com a moral cristã e não tem consciência de pecado grave não perdoado em sede de confissão sacramental.

Se Joe Biden se confessou ao Papa Francisco, o Santo Padre, depois de o absolver, poderia dizer-lhe que, enquanto não pecar gravemente, pode comungar. Mas ninguém, nem mesmo o Papa, pode absolver um pecador por outro meio que não seja a absolvição sacramental, que requer que o penitente professe a fé da Igreja católica, esteja verdadeiramente arrependido e se comprometa a não voltar a pecar. Mesmo depois de concedida, validamente, a absolvição sacramental, nenhum fiel fica habilitado para comungar sempre: só o poderá fazer enquanto não cometer nenhuma falta grave, como é a de promover o aborto. É tal a gravidade deste crime que a sua realização, consciente e voluntária, é punida com a mais grave pena canónica: a excomunhão.

Ainda a propósito de Rui Rio, no diário As Beiras, Bruno Paixão escreveu, no passado dia 7: “Rui Rio […] trouxe à filosofia moderna uma nova frescura, deu à teologia uma reinvenção da prática cristã, e põe-se toda a gente a atirar pedras ao homem. […] Não percebo qual o mal de haver católicos não crentes, ateus evangélicos, ou protestantes budistas. Cada um é aquilo que quiser. É sim senhor.

Este cronista considera que Rui Rio é o mais moderno reformador do Cristianismo, uma espécie de novo Lutero, graças à sua invenção do ‘católico não-crente’, segundo a máxima relativista desta nova religião: “cada um é aquilo que quiser”.

Com certeza que ninguém pode negar a Rui Rio, ou a quem quer que seja, o direito de, no que respeita às convicções religiosas, crer no que quiser. Ninguém pode ser obrigado a ter fé – que é, na sua essência, um acto essencialmente livre – nem a ser crente. Também ninguém deve ser obrigado a ser cristão, budista, ateu ou agnóstico, porque há que respeitar sempre a liberdade das consciências. Mas pode-se e deve-se obrigar qualquer crente, ou não-crente, a ser consequente com as suas libérrimas opções, sob pena de a contradição, se advertida e consentida, ser sinónimo de hipocrisia.

Pode-se e deve-se exigir ao católico que seja coerente com a fé que diz professar, e o mesmo se diga de qualquer crente de qualquer outra religião, ou de quem, por ser agnóstico ou ateu, não professa nenhuma. Quem reclama para si próprio uma religião, com uma doutrina e prática próprias, não pode deixar de assumir também esses princípios doutrinais e morais. Ou seja, não se pode ser católico de outro modo que não seja o determinado pela respectiva Igreja: os fiéis têm toda a liberdade para o serem, ou deixarem de o ser, mas ninguém pode ser católico à margem dos seus dogmas e moral.

Rui Rio, pela certa, quis dizer que, apesar de ter sido baptizado na Igreja, não é católico porque, não tendo fé, não é crente: sem fé não se pode ser crente e, não sendo crente, não se é católico. Ninguém tem culpa por ter sido baptizado criança, embora seja muito bom que os pais, do mesmo modo como vestem, alimentam, educam, vacinam e impõem um nome e uma nacionalidade aos seus filhos recém-nascidos, também os façam baptizar, dando-lhes, dessa forma, a sua maior riqueza, que é a fé.

Portanto, pode-se, sem culpa, não ser crente por não se ter fé, que é um dom sobrenatural, que não é susceptível de ser alcançado pela razão, embora sem razão não se possa ter fé, que é conhecimento. Pelo contrário, a existência de Deus pode ser alcançada pela razão humana, nomeadamente pelas cinco vias que São Tomás de Aquino expôs na Suma Teológica e que são acessíveis a qualquer pessoa, desde que tenha a suficiente capacidade intelectual e conhecimento filosófico. Ser católico sem ser crente é uma contradição, mas não ser ateu graças a Deus, porque também os que, por falta de fé e de razão, não acreditam na existência do Criador, existem graças a Deus.