Num mundo financeiramente racional, estaríamos a perguntar-nos porque é que o Governo está a pagar juros de empréstimos a taxas mais elevadas do que poderia suportar com outros financiamentos. Foi isto que andou a acontecer (e de alguma forma continua) com os Certificados de Aforro. Sem percebermos que, no fim da linha, somos nós que pagamos tudo, através dos nossos impostos, que juros mais altos vão exigir mais dinheiro do Tesouro que virá dos nossos bolsos. A política de taxas de juro seguida pelo Governo nos Certificados de Aforro tem pelo menos uma racionalidade: incentivar a poupança, contribuindo assim para reduzir o consumo e moderar as pressões inflacionistas. Ou então acelerar o processo de pressão sobre os bancos para pagarem juros mais altos nos depósitos.
Comparemos simplificadamente as alternativas que o Estado tinha, ou tem. Apesar da subida das taxas de juro em todos os prazos, em Fevereiro o Tesouro contraiu um empréstimo em Obrigações do Tesouro a pagar em 2032 (grosso modo, a dez anos) com uma taxa de juro de 1,65% (aquela que vai pagar a quem detém o título), ainda que a rendibilidade tenha sido de 3,1% (porque o título foi vendido abaixo do par, a desconto). E em Março, para igual prazo e a mesma taxa do cupão, a rendibilidade foi de 3,5%. Já o empréstimo para 2035, com uma taxa de cupão de 0,9%, significou uma yield de 3,7%. E durante esse período só tem de se preocupar em pagar os juros. Recebendo, obviamente, também impostos.
Quanto rendem e quanto custam os Certificados de Aforro (CA)? No caso dos 3,5% as pessoas recebem pouco mais de 2,5% porque têm de pagar 28% de imposto. Ou seja, cerca de um ponto percentual entra na receita do Estado e apenas 2,5% é custo. O mesmo raciocínio se faz com a nova taxa da série F que será no máximo de 2,5% – na prática, aquilo que se recebe é 1,8% do que foi investido.
Aplicando o mesmo às Obrigações do Tesouro chegamos à mesma conclusão: o custo do financiamento é pelo menos igual, se não inferior, ao que se estava a pagar pelos Certificados de Aforro. Com uma vantagem. Enquanto no caso dos CA o aforrador pode ir buscar o seu dinheiro a qualquer altura, sendo o Tesouro obrigado a entregá-lo, nas Obrigações a amortização da dívida só acontece no fim da maturidade. O que, em tempos de incerteza, não é uma vantagem a desvalorizar.
Além disso, como as taxas de juro têm estado e vão continuar a subir, o Tesouro pode ter perdido a oportunidade de contrair empréstimos a longo prazo a taxas mais baixas, porque escolheu aumentar as emissões de Certificados de Aforro.
Em Maio, há menos de um mês, o ministro das Finanças decidiu aumentar de sete mil milhões para 16,5 mil milhões o limite máximo de emissão de Certificados de Aforro, reduzindo o montante de Obrigações do Tesouro e Bilhetes do Tesouro. E isto numa altura em que as subscrições já ultrapassavam aquele limite – passou de 19,6 mil milhões para quase 30 mil milhões em Abril de 23. O argumento foi exatamente o de dar resposta ao “interesse dos particulares pela subscrição de certificados de aforro” que excederam “amplamente as previsões”.
E essas previsões continuaram a ser excedidas, o que obrigou agora o ministro das Finanças a reduzir significativamente a remuneração dos CA, lançando a série F. O montante de CA subscrito, de 30 mil milhões de euros em Abril, já corresponde a mais de 10% da dívida pública.
Vítima do seu sucesso, o Ministério das Finanças teve obviamente de se tornar menos generoso, já que corria o risco não apenas de, em menos de um mês, furar o limite que tinha autorizado em Maio, como limitar a gestão racional da dívida pública. Claro que estamos perante um bom problema: o Estado está sem problemas em financiar-se. Mas convém que se financie às taxas mais baixas que conseguir e com um perfil de endividamento que não crie problemas a prazo.
No meio desta controvérsia, os olhares dirigiram-se para os bancos. É duvidoso que o ministro das Finanças tenha tomado esta decisão para agradar à banca. Pelas razões que já foram apresentadas, os Certificados de Aforro começavam a ser um problema para o Tesouro devido ao seu sucesso. E a liquidez e solidez que a banca hoje regista não causam dores de cabeça nem na Praça do Comércio nem na Rua do Ouro – embora com a banca nunca se saiba, os indicadores são sólidos.
Se existisse racionalidade financeira, todos nós que pagamos impostos já estaríamos a criticar o ministro das Finanças há algum tempo, por estar a pagar pela dívida pública mais do que aquilo que conseguiria com financiamentos alternativos através das Obrigações do Tesouro ou mesmo Bilhetes do Tesouro. Nunca nos podemos esquecer que quanto mais dinheiro tiramos ao Estado mais impostos pagamos.
Contrariamente ao Tesouro, a banca está a ser bastante racional. Inundada de liquidez e sem uma concorrência que a preocupe (por enquanto), a saída de depósitos de particulares não lhe causa qualquer problema. E por isso continua a pagar pelos depósitos de particulares uma taxa muitíssimo baixa (1,03% em Abril, segundo dados do Banco de Portugal). Já não é assim com as empresas, onde a banca tem de batalhar para atrair as que são boas, pelo negócio complementar que lhe garante. Para as empresas ofereceu em Abril taxas de juro dos depósitos que em média foram de 2,33%, com subidas acentuadas desde Janeiro, quando pagava 1,05%.
Mas o olhar de quem critica está focado no dinheiro que os bancos estão a ganhar. Porque aumentaram muito rapidamente as taxas de crédito, especialmente na habitação – o que não podia ser de outra forma, porque estão indexadas à Euribor – e está a arrastar os pés no pagamento de juros a quem lá deposita o dinheiro. Como consequência está a fazer bom dinheiro, com o aumento das margens a refletir-se nos lucros.
Há uns tempos, quando se debatia a taxa extraordinária sobre quem estava a ganhar dinheiro com a subida dos preços da energia, um ex-ministro dizia, um pouco nas entrelinhas, que as empresas também dificultavam a vida aos políticos ao anunciarem com pompa a subida de lucros. O que obrigava, supõe-se, os governantes a actuar.
E esse é o dilema das empresas em geral e dos bancos em particular. Para ganharem a confiança dos seus clientes e investidores têm de mostrar que estão a ganhar muito dinheiro, mas em tempos de crise viram uma parte da população contra si, que até em parte pode ser exactamente a mesma que quer o seu banco seguro ou o seu investimento em acções a dar dinheiro. Em geral a banca – como as outras empresas cotadas – optam por oferecer os valores absolutos, os milhões, quando realmente nos deviam mostrar os dados de rendibilidade, dos capitais próprios e do activo. Aí a história já é outra.
Claro que a rendibilidade dos bancos está a subir. Mas esses valores sucedem-se a tempos difíceis, de taxas de juro negativas que não puderam, em Portugal, repercutir nos clientes e a provisões e imparidades para limpar as asneiras de crédito do passado. Nesse tempo mais difícil escolheu-se, com a conivência dos governos, aumentar e alargar as comissões – sempre se viam menos e só de vez em quando havia um partido, em geral o Bloco de Esquerda, ou uma associação de consumidores a mostrar o que se estava a passar. Faziam-se uns recuos e por aí se continuava.
Um outro argumento usado é que os bancos deviam agora compensar-nos pela ajuda que lhes demos na crise financeira. Primeiro, os bancos que sobreviveram não foram propriamente ajudados, receberam um empréstimo com juros elevados que pagaram. Sim, é verdade que receberam esse empréstimo em concorrência com o Estado e, por isso, podíamos ter precisado de menos dinheiro se não fosse a banca. Mas pagaram. E a CGD pode considerar-se que foi um investimento, e dos bons, tendo em conta os dividendos que agora entrega ao Tesouro.
Neste momento a subida dos lucros reflete o aumento das margens, mas também a redução das imparidades. Mas com o regresso à normalidade das taxas de juro, aquilo que se pode fazer é começar a racionalizar as comissões, como aliás o Governo já está a concretizar. Claro que não há santos na banca, mas fazer dos bancos o centro das críticas é contribuir para o populismo e para a iliteracia financeira.
Queremos pagar menos impostos, mas também queremos que o Estado nos pague juros altos quando lhe emprestamos dinheiro, sem percebermos que isso é pago por nós e significa, a prazo, mais impostos. Queremos bancos sólidos e que não precisem de ajuda do contribuinte, mas queremos que eles sejam irracionais na gestão, que até se prejudiquem financeiramente enfrentando o risco de terem problemas e de precisarem depois de ajuda.
O que é interessante no que se está a passar é ser mais um exemplo de como queremos uma coisa e o seu contrário ou, para aplicar um provérbio em voga na classe política, queremos “sol na eira e chuva no nabal”. Queremos, em suma, milagres.