Como em quase todos os setores da sociedade, o impacto da pandemia Covid-19 na Universidade teve o condão de expor as suas virtudes e identificar as suas ameaças. Ou seja, a Universidade foi colocada à prova, e dificilmente se poderá dizer que passou no teste. Por outro lado, tornou-se claro o caminho que a Universidade deverá trilhar na década que ora se inicia.

As guerras, as revoluções e as pandemias são eventos que alteram o curso da História. A 18 de março último, aquando do início do primeiro estado de emergência para fazer face à pandemia Covid-19, a Universidade alterou o seu rumo ao fazer a transição necessária do ensino presencial para o ensino à distância. A mudança para esta “nova normalidade” na Universidade foi um teste real, sem estudos e simulações prévias, à sua capacidade de liderar a mudança num contexto em que o ensino presencial se aquietou e o ensino online brotou.

Há várias lições a tirar da crise resultante da pandemia Covid-19. A primeira lição é que não se pode fazer uma mudança radical no funcionamento e na natureza da Universidade sem debate interno e consulta a todas as partes interessadas, e principalmente os estudantes, que acabam por ver as suas expetativas iniciais goradas. A segunda lição foi constatar que, na generalidade, os professores não foram nem estavam preparados para uma mudança tão radical nos processos de ensino-aprendizagem. A terceira lição é que não foi possível manter a qualidade geral do processo de ensino-aprendizagem quando as aulas presenciais deram lugar às aulas online. A quarta lição a tirar é que esta crise acaba por mostrar o quanto as universidades portuguesas estão atrás de outras congéneres internacionais no que respeita ao ensino online. Na verdade, o ensino online pode ser mais produtivo do que o ensino presencial em algumas áreas disciplinares ou matérias específicas ou, ainda, em alguns tipos específicos de aulas. A quinta lição é que é difícil replicar o ensino prático-laboratorial numa plataforma online, a não ser que se façam investimentos avultados em laboratórios remotos com instrumentação robótica. A sexta lição é que, a manter-se o distanciamento social no próximo ano letivo (espera-se que não!), os novos alunos passarão por uma experiência académica radicalmente diferente, em que não haverá aulas presenciais nem pontos de encontro para socializar e criar laços de amizade. A sétima lição é que a economia que orbita em torno de universidades longe do eixo litoral do país também se ressente com a ausência de alunos e professores.

As lições supracitadas levantam o véu para os grandes desafios que se colocam às universidades. Será a Universidade capaz de se recriar no espírito da Universidade 4.0 em que todo o conhecimento se pode veicular em plataformas digitais? Será a Universidade capaz de perceber que a “nova normalidade” da mais que provável digitalização completa dos saberes, alavancada pela revolução digital, é um processo imparável no curso da História? Em boa verdade, é urgente que a Universidade consiga pelo menos colocar online todas as unidades curriculares do 1º ano de cada licenciatura para fazer face a qualquer contingência pandémica presente ou futura, sob pena de perder muitos alunos para universidades prestigiadas (com branding forte) de outras latitudes e países, e que nos últimos anos têm investido de forma consistente no ensino online. Por forma a manter a atratividade dos seus cursos, será naturalmente necessário começar já a preparação e formação de professores para a conceção, construção e lecionação de aulas online segundo padrões elevados de qualidade, tal como acontece em muitas plataformas digitais.

Se é verdade que não conseguimos adivinhar o futuro provocado pelas ondas de choque desta pandemia ao nível da globalização, e em particular na globalização da Universidade, pelo menos sabemos o seguinte: primeiro, a globalização da Universidade e dos seus programas de mobilidade internacional tomará um novo rumo, mas não cessará; segundo, a Universidade terá de mudar a arquitetura e a organização física dos espaços, a organização do trabalho, os programas de estudos, a introdução do e-learning como instrumento complementar na formação científica e profissional dos estudantes, e, provavelmente, a própria cultura interna subjacente à relação centenária entre professores e estudantes.

Ainda que o futuro seja imprevisível, a Universidade liderará se for audaz o suficiente para o desenhar e construir. Será a Universidade capaz de velejar, para não dizer acelerar, no mar das grandes oportunidades proporcionadas pelo e-learning?

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