A guerra na Ucrânia estimulou os estados europeus a aumentarem os seus orçamentos de defesa. Segundo a Comissão Europeia, através da Agência Europeia de Defesa (AED), desde a invasão da Rússia e até maio de 2022, os países europeus anunciaram um aumento total com a defesa de mais de 200 biliões de euros. A União Europeia (UE) deu passos importantes no apoio aos ucranianos, fornecendo mais de 3 biliões de euros em assistência militar, provando que está disposta a fornecer ampla assistência aos seus parceiros.

Esta evolução recente não apaga, no entanto, um período prolongado de cortes substanciais na despesa com a defesa após a crise económica e financeira de 2007-2008. Dados da AED estimaram decréscimos de investimento de 183 biliões de euros em 2008 para 159 biliões de euros, em 2014, só tendo recuperado para os níveis anteriores à crise em 2018. Entre 2009 e 2018, os cortes efetuados pelos Estados-Membros correspondem a um subinvestimento agregado de cerca de 160 biliões de euros, em comparação com o nível de despesas de 2008.

Este cenário de incremento na despesa tem alguns desafios relevantes que importa referir. É fácil para os governos europeus prometerem aumentos nos investimentos em defesa e depois não os cumprirem, alegando o aumento do financiamento dos serviços públicos e ajudas, essenciais para compensar a inflação e proteger os consumidores dos crescentes preços da energia.

De igual modo, a inflação aumentou o custo dos equipamentos, o que impacta nos orçamentos de defesa. Isto associado à escassez de matérias-primas essenciais para a produção de muitos componentes, como as chamadas “terras raras”, o que aumenta o preço dos equipamentos para a defesa.

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Por último, nem sempre os Estados-membros têm as estruturas e procedimentos administrativos capazes para investir, de forma célere, as verbas adicionais previstas em sede de orçamento. A Alemanha, exemplo de eficácia na UE, está em guerra com a burocracia para gastar o fundo especial de defesa de 100 biliões de euros que criou após a invasão da Rússia, e que materializou uma mudança estrutural na sua abordagem estratégica às questões da sua defesa nacional, assim como a sua relação comercial e política com a Rússia.

Outro desafio relevante é o da cooperação e partilha de meios entre estados-membros. Os exércitos europeus têm 17 tipos de tanques de batalha e 20 caças diferentes, enquanto os EUA têm um tanque e seis tipos de caças. A consequência disto é que os estados europeus necessitam de mais peças de reposição, cadeias de suprimentos mais exigentes, bem como treino e uma logística mais complexa e a complexidade tem custos elevados.

As despesas europeias com a defesa têm revelado historicamente menores níveis de eficiência e de produtividade em comparação com os nossos aliados e os nossos concorrentes. Estima-se que a falta de cooperação na Europa em matéria de defesa custe dezenas de biliões de euros por ano. Este facto reflete um mercado onde as empresas do setor têm principalmente uma dimensão nacional, beneficiando de uma estreita relação com os governos nacionais. Esta estrutura do mercado, associada a uma baixa despesa de investimento, criou um cenário caracterizado pela presença de alguns operadores nacionais em mercados de pequena dimensão, que produzem, por conseguinte, volumes reduzidos. Em síntese, temos um mercado altamente fragmentado, de reduzida capacidade de melhorar a sua competitividade por meio da combinação de research and development (R&D) bem como de conseguir economias de escala na produção. Além disso, existem dependências para alguns equipamentos importantes para os quais o mercado não oferece soluções locais.

Os Estados-membros não estão acostumados a “pensar europeu” quando se trata de tomar decisões de aquisição e consideram geralmente a cooperação apenas quando coincide com os seus planos de investimento nacional e/ou beneficia a indústria nacional. As abordagens colaborativas europeias são, para muitos Estados, demoradas e complexas e concordar com a divisão do trabalho e a especialização na produção é um enorme desafio político, pois reduz a soberania nacional, optando a grande maioria por soluções nacionais ou de fornecedores fora da UE. Até agora, as tentativas da UE de usar a regulamentação para abrir os mercados de defesa falharam em grande parte dado os países europeus usarem argumentos como a “segurança nacional” para continuarem a proteger as suas indústrias domésticas.

Já os parceiros não pertencentes à UE sabem que podem ser excluídos do mercado europeu, vendo os esforços de cooperação entre estados europeus como ferramentas protecionistas. Os Estados Unidos da América (EUA), apesar do apoio que dão ao aumento de investimento em defesa e ao caminho da Europa para uma maior autonomia estratégica e operacional, são críticos das iniciativas da UE que, segundo eles, penalizam as empresas americanas, argumentando que isso ameaça a interoperabilidade dentro da NATO.

Quanto aos estados-membros de menor influência no contexto europeu – como é o caso de Portugal – são céticos em relação ao contexto de cooperação europeia, pensando que essas iniciativas só beneficiarão as maiores indústrias de estados-membros, como a Alemanha, a França ou a Itália.

Se o ataque da Rússia à Ucrânia fez os estados europeus perceberem a necessidade de investirem mais na sua defesa, também os fez perceber que o nível de dependência da NATO, e em particular dos EUA, é praticamente total. E as questões não são só de investimento material, mas tocam fundo naquilo que é a história e geografia da Europa. Vejam-se por exemplo as indecisões da Alemanha em relação ao envio dos Leopard 2 para a Ucrânia.

O caminho para uma maior autonomia estratégica europeia é relevante quando se trata de desafios de segurança considerados importantes para a UE, mas menos para a NATO, como por exemplo, a África ou o Mediterrâneo Oriental. De salientar o caso dos EUA, que, para além de já terem assumido que as suas prioridades estratégicas de longo prazo estão no Indo-Pacífico, podem ter também um retorno republicano isolacionista à Casa Branca em 2025. A UE deve ser capaz de definir os seus próprios interesses e objetivos e mobilizar os instrumentos suficientes para os alcançar. Às vezes os interesses e prioridades podem divergir entre a UE e a NATO. O lema deve ser sempre: juntos quando possível, sozinhos quando necessário.

Longe da ideia de um exército único europeu, a cooperação e a partilha de meios e projetos assume-se como elemento crítico no aumento da capacidade de resposta de cada estado europeu aos novos desafios que enfrentamos. A NATO e a UE têm papéis alinhados e complementares a desempenhar. O conflito na Ucrânia retirou a NATO de uma certa letargia e enfatizou a dependência da Europa dos EUA como fornecedor de segurança. Se o afastamento da NATO que alguns desejam na Europa é irresponsável, também a dependência excessiva da organização atlântica o é e tem de ser reduzida para benefício de todos os envolvidos.