Há uma campanha concertada para culpar os agricultores da falta de água, afastando o governo do investimento que tem de fazer e permitindo que os votos mais importantes (os das cidades) se sintam bem consigo próprios. Mais grave, julgo que a ideia no final é passar o controlo das barragens, sobretudo do Alqueva, para o controlo ambiental ao invés de o deixar na atividade produtiva. Tudo isto prejudica o país, o sector produtivo a agricultura e o ambiente.

Na última semana a água voltou a ser notícia, voltou a servir para atacar os agricultores. Numa recente entrevista, o Secretario Geral do Conselho Nacional da Água, voltou a usar esta como arma de arremesso contra os agricultores. Com argumentos no mínimo “perversos” (palavra utilizada por si), este senhor volta a passar uma imagem do setor agrícola de irresponsável na utilização deste recurso.

Esta sistemática responsabilização da agricultura pela falta de água, divulgada pela comunicação social, dá que pensar… tentar fazer crer que os agricultores são os principais responsáveis pela falta de água, tem servido para desviar as atenções das verdadeiras razões da sua escassez. Por outro lado, é desolador o estado de abandono político a que o setor está sujeito. Depois de mais este ataque, nem uma palavra da ministra na defesa dos SEUS agricultores e pior, nem uma palavra dos partidos da oposição na defesa do setor. Já percebemos que a agricultura não elege deputados, mas isso não pode justificar tudo.

Voltando à água, sendo um bem tão valioso e escasso, a primeira medida que deveria ser tomada numa boa gestão deste recurso, seria uma avaliação rigorosa dos diferentes sistemas de utilização, identificando a quantificando as suas perdas e aprovando medidas que mitigassem ao máximo esse prejuízo.

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É reconhecido oficialmente que tanto nos sistemas de distribuição urbanos como nos regadios públicos (distribuição primária) o nível de perdas de água assume níveis excessivamente elevados, é assustador.

Segundo o relatório anual do regulador da Água e Resíduos, em 2019 foram desperdiçados 188 mil milhões de litros nos diversos sistemas de abastecimento municipais de distribuição de água. Já este ano foi amplamente divulgado um estudo da Entidade Reguladora dos Serviços de Água e Resíduos referindo que, cerca de 25% da água que passa nas condutas de abastecimento em Portugal é perdida. A quantidade desperdiçada daria para abastecer um milhão de portugueses, ainda segundo o mesmo estudo.

É preciso um enorme descaramento para falar do uso da água na agricultura num cenário destes.

Percebo que resolver o problema das perdas de água nos sistemas de distribuição necessitará de verbas avultadas e que politicamente não haverá a perceção dos eleitores sobre a importância destas reformas, sendo por isso difícil realizar este investimento pois não é claro que resulte em votos. É mais fácil atacar a agricultura denegrindo a sua imagem pois não conta para os resultados eleitorais.

Importa esclarecer que quanto à utilização da água, os agricultores é quem melhor a utiliza e tem a mais nobre das utilizações, serve para produzir alimentos. A água não se perde: transforma-se.

Há quem pense que esta constante associação da agricultura a uma má utilização da água faz parte de uma estratégia para transferir a tutela da EDIA para o ministério do Ambiente, integrando-a nas Águas de Portugal. Talvez por isso estamos há mais de um ano sem uma formal Administração na empresa que gere o Alqueva. Seria importante que este tema fosse abordado ao nível do Parlamento e se se esclarecessem todas as dúvidas que pairam no ar.

Mas nem só no sistema atualmente existente se deverá atuar, outra medida fundamental para diminuir as perdas de água seria criar uma rede de bacias de armazenamento (Barragens) ao longo do Pais. Ainda esta semana assistimos a uma reportagem num dos canais televisivos sobre o enorme caudal que o rio Tejo tinha nestes dias. É desolador ficar a olhar para a água a correr sem possibilidade de a armazenar para utilização em períodos de maior escassez e necessidade.

Resumindo, todos usamos água para tomar banho, alguns para regar rotundas e estradas, poucos para produzir alimentos e um desperdiça água. Com a passagem da gestão do Alqueva para o Ministério do Ambiente, o que muda é que os poucos que produzem alimentos desaparecem e o que desperdiça a água terá mais quantidade para o fazer…