Adolf Hitler foi eleito pelo povo. Jair Bolsonaro também. Donald Trump ainda não temos a certeza. Todos eleitos em estados democráticos. Escolhidos em liberdade.

Hitler matou dezassete milhões de civis. As orientações de Trump perante a pandemia são responsáveis por cerca de três milhões de infectados, cento e trinta e quatro mil vítimas. Para o presidente americano, a doença está controlada e a responsabilidade dos números é da China, ou da OMS, ou de outros, que não ele. Bolsonaro, presidente de um país que apresenta o segundo maior número de infectados e vítimas por Covid- 19, afirma-se orgulhoso da forma como “preservou vidas e empregos sem espalhar o pânico”. Um país em alerta de zona emergente de fome extrema.

Todos partilham características de comportamento comuns à psicopatia. O charme superficial, a dominância social, o destemor, a ausência de ansiedade, conjugados com a falta de empatia, a autopercepção de grandiosidade, a inexistência de remorsos ou sentimentos de culpa, o egocentrismo, a manipulação dos outros, a impulsividade, e a pouca ou nenhuma ressonância emocional, compõem personalidades aparentemente atractivas. E são-no. Não é novo. Foi descrita uma associação clara entre três das principais características da psicopatia – charme superficial, egocentrismo, ausência de remorsos – e o sucesso em cargos de poder político.

Uma actividade como a política, que exige exposição pública permanente e capacidade para lidar com situações de alta pressão, assenta perfeitamente numa personalidade com baixos níveis de reacção ao stress, e com níveis elevados de competitividade, características da psicopatia. O problema está em que este conjunto de virtudes é indissolúvel dos outros traços. Existe uma relação forte entre a psicopatia e a tendência a comportamentos transgressores e pouco éticos. Às vezes, apenas pelo prazer de transgredir, de sentir a adrenalina, o risco, colmatar o tédio. Brincar com um país como quem brinca com Lego nas tardes quentes do Verão longo e entediante.

A forma como a política passou a ser percebida – como a via de acesso a um conjunto de poderes e privilégios instituídos, isento de escrutínio popular –, torna-se aliciante para quem gosta de poder, manipulação, impunidade e risco. E tudo isto se passa à nossa frente. O charme superficial sob a forma de discurso popular está lá, nas campanhas, nas entrevistas, nos abraços na rua. A ausência de remorsos, a coação e a subjugação, a manipulação e a mentira, também estão lá, nas entrevistas, nos duzentos e oitenta caracteres do Twitter, e, de vez em quando, nas respostas em tribunal onde, confrontados com a responsabilidade, os psicopatas funcionais constroem a realidade ajustada às suas necessidades.

A nossa responsabilidade também devia estar lá – nas urnas. A nós, cidadãs e cidadãos livres, cabe-nos a responsabilidade de reconhecer o discurso, identificar o método, expor o movimento silencioso dos predadores de direitos. Cabe-nos a exigência de uma política transparente, respeitada, coerente com uma visão humanista de valores, em que liberdade e igualdade têm de ser princípios intocáveis. A política não é para psicopatas.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR