Para meu infortúnio e de tantos outros portugueses e cidadãos ocidentais, o PCP tem escrito, ao longo das últimas semanas, inúmeras missivas e vários dos seus elementos têm concedido entrevistas. Algumas passagens têm tanto de cómicas, quanto de utópicas. Mas, até aqui, nada de novo para o leitor. Aliás, o PCP já nos habituou, praticamente desde que existe, a um nível estratosférico de não colagem à realidade. A palavra «realidade» não é usada em vão: independentemente de se estar em Portugal ou na Coreia do Norte, o mundo que o PCP vislumbra só sucede dentro da cabeça dos seus afiliados. Até porque os palcos mais austeros e ditatoriais que existem à face da Terra não deixam de existir só porque os autocratas que os lideram negam as atrocidades que cometem. Que eu tenha conhecimento, nenhuma lei da Física permite que uma realidade desapareça por ser negada.

Nesta senda de troca de ideias (descomedidas), João Ferreira – um ser bastante adaptativo aos terrenos da sua «realidade»; não tivesse já sido candidato à presidência de tudo o que é possível – pronunciou-se, numa entrevista, sobre os perigos do nazismo que perspetiva no exército ucraniano. Ao que parece, nem todas as exiguidades do foro mental estão necessariamente associadas a uma insuficiência da tiróide. Aliás, tem a sua graça que um biólogo como João Ferreira – imagino, dada a sua formação, com especial gosto pelas diferentes manifestações de organismos vivos – comece uma entrevista, desde logo, por elencar os perigos do ódio de um exército invadido e não de um exército invasor, fanático pela morte. Só com o descrever de factos, antevê-se, de imediato, a perfeita harmonia interna deste senhor.

Voltando ao domínio empírico e às leis da Física, Newton postulou-nos o seguinte: «a toda ação há sempre uma reação oposta e de igual intensidade: as ações mútuas de dois corpos, um sobre o outro, são sempre iguais e dirigidas em sentidos opostos». Ora bem, parece que um cientista nascido em 1643 teria muito a ensinar a um biólogo em 2021. Desde logo, porque o biólogo comunista – quase uma antítese em si – tenta justificar o injustificável e, se fosse intelectualmente justo, faria referência – pelo meio das suas inverdades – que o movimento nacionalista ucraniano é perfeitamente minoritário e o flanco que existe é oriundo e alimentado por um ódio de largas dezenas de anos de repressão sobre a Ucrânia que advém dos tempos da ex-URSS e sempre tentou assolar a identidade do povo que, hoje, se sente ucraniano. Em jeito de sinédoque (uma manha habitual na ala comunista), quando João Ferreira toma o todo pela parte e denomina de nazis, de forma indiscriminada, aqueles que são fortemente nacionalistas, generaliza e confunde conceitos distintos. É muito diferente ser-se nacionalista, mesmo que num flanco colado à extrema-direita, e ser-se nazi. Assim como seria bizarro referir que João Ferreira, apesar de pertencer à extrema-esquerda e padecer de algum bom-senso, se configura automaticamente como estalinista. Lanço, portanto, dois dados relevantes para tentar repor a verdade: 1) o nacionalismo ucraniano é, sobretudo, um nacionalismo anti-Rússia (de Putin); 2) estudos sociológicos recentes ditam, ironicamente, que cerca de metade dos neonazis radicados no hemisfério norte residem em território russo.

Posto isto, se «nazis ucranianos» são aqueles que, nos dias que correm, se tentam insurgir contra a opressão de um regime comunista, liderado por um déspota que comanda uma invasão que está a dizimar cidades inteiras da Ucrânia, prefiro, então, conviver com esses tais «nazis» do que com a trupe “benigna” de Putin.

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