O debate sobre política externa esteve ausente das primárias democratas até ao ataque americano que matou o General Qassem Soleimani no Iraque. As reações dos três principais candidatos, Joe Biden, Bernie Sanders e Elisabeth Warren, mostram três coisas. Que há um antes e um depois da Guerra do Iraque na política externa de Washington; que desde essa altura o partido democrata tem vindo paulatinamente a rejeitar o uso da força militar, a não ser em casos de ameaça iminente; que, apesar das divergências significativas nas questões de política interna, os três candidatos às primárias democratas são herdeiros da política externa de Barack Obama.

A posição dos candidatos às primárias democratas na invasão do Iraque de 2003 ainda marca profundamente o debate. Bernie Sanders tem usado a sua oposição à guerra para se posicionar como o líder de uma política externa “responsável” em contraste com Joe Biden que, para compensar o seu apoio à invasão, alega ter tido um papel importante na retirada das tropas norte-americanas de Bagdad.

Ouvindo os candidatos, parece que a responsabilidade se mede na aversão à intervenção militar. O que reflete não só a fadiga de quase duas décadas de guerra sem resultados positivos, mas também a forma que encontraram de se opor a Donald Trump e à sua estratégia de uso da força para obter dividendos de dissuasão. A verdade é que as consequências do conflito começado por George W. Bush no Médio Oriente marcam o início de um dos pouquíssimos consensos atuais na política externa norte-americana: estrategicamente impôs-se o retraimento (seguido por Trump em termos diferentes) e politicamente um compromisso entre Washington e os norte-americanos de pôr fim às guerras de escolha. Esse consenso não foi quebrado por Trump, ainda que o presidente acredite que o uso massivo da força em casos pontuais possa trazer dividendos geopolíticos.

O que une os candidatos democratas? Uma matriz ideológica comum. A administração Trump tem uma versão de nacionalismo nativista. Exclui interna e externamente, o que a obriga a olhar para todos os estados do sistema internacional como potenciais inimigos. Assim, é legítimo um conjunto de políticas rejeitadas pela maioria dos decisores e analistas norte-americanos. Entre elas, o uso massivo da força por razões de dissuasão. Já os três candidatos acreditam num nacionalismo cívico em que é a partilha dos valores comuns – entre eles a democracia, o estado de direito, a inclusão e a tolerância pela diferença – que determina a pertença à nação. É então natural que, independentemente de uma visão mais ou menos radical da igualdade, os democratas valorizem os estados que partilham os mesmos valores.

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Assim, Joe Biden, Bernie Sanders e Elisabeth Warren estão de acordo em cinco pontos: a reconstrução de alianças com democracias; a necessidade de “curar a América” depois de Trump (como enunciou Joe Biden); a vontade de diminuir os gastos na defesa e aumentar o orçamento do Departamento de Estado (uma bandeira de Sanders); e a convicção de que o assunto principal da próxima presidência terá de ser as alterações climáticas (tema mais enfatizado por Sanders e Warren). Em comum também uma fraqueza: a incapacidade de se descolar da agenda de Barack Obama.

O que é distingue os candidatos democratas? A tendência isolacionista de Bernie Sanders e Elisabeth Warren, mais próximos de Trump na ideia de que a política externa deve servir a política interna em contraste com o internacionalismo, ainda que contido, de Joe Biden.

Mas a verdade, é que os candidatos mais bem posicionados nas primárias democratas propõem um regresso à política externa de Barack Obama, mais coisa, menos coisa. Pode ser o que o seu eleitorado quer ouvir, mas está longe de ser uma estratégia ou uma visão para o papel dos Estados Unidos.